O desafio da renovação urbana do Cais do Porto

Faço aqui algo que a cidade precisa e pouco faz: levantar os fatos e propor soluções para o futuro.

A orla compreendida entre a Rodoviária e o Gasômetro tem vários elementos problemáticos: os prédios feios da Mauá, a própria avenida Mauá, o muro, os armazéns e docas abandonados. Adicione a linha do Trensurb, que só faz aumentar a divisão urbana, em mais de 50% desse trecho. O resultado é um ambiente com potencial elevadíssimo jogado às traças, inutilizado e inacessível aos cidadãos porto-alegrenses.

Para uma solução completa para a região, ao meu ver, todos itens acima precisam ser resolvidos, a fim de obtermos um conjunto harmonioso. Minhas propostas, de maneira mais detalhadas, são:

Prédios da Mauá: incentivar a revitalização das fachadas [1] e a readequação dos usos. A maioria dos prédios entre a Estação Mercado e a Rodoviária são prédios de baixa qualidade ou estacionamentos. Porque diabos damos uma das melhores vistas da cidade para carros estacionados, depósitos, e inferninhos?

O próprio Camelódromo confirmou essa tendência, ao ser construído como um caixão de concreto sem vida, com poucas janelas voltadas para o Guaíba [2]. A verdade é que, naquele trecho da Mauá, apenas uns dois prédios hoje estão em condições dignas de estar na vitrine da cidade.

Linha do Trensurb: a cicatriz de ferro do centro. Num lugar com tal densidade e requisitos de fluxo, não podemos nos dar ao luxo de isolar tantos metros. Ainda que cumpra sua função como transporte coletivo, ela é uma peça do muro e, como tal, precisa ser retirada. Aquele trecho da linha precisa ser enterrado o quanto antes – até porque isso facilitaria a integração com uma futura linha 2.

Avenida Mauá: hoje ela é um autorama, dedicada ao fluxo rápido de veículos, sem nenhuma chance de travessia ao pedestre quase toda sua extensão. Pistas e mais pistas sendo disputadas por ônibus, carros, carroças e caminhões, sendo que os coletivos precisam fazer curvas fechadas para adentrar seus terminais, chegando ao cúmulo de termos ônibus precisando manobrar de ré na Mauá.

Precisamos de uma solução moderna que devolva a Mauá à cidade. Eu começaria transformando a Av. Júlio de Castilhos em um eixo exclusivo para o tráfego de ônibus [3] – isso já permitiria vários metros a mais de calçadas ali. Sem o tráfego de ônibus, e tendo enterrado o trensurb, sobraria espaço para transformar a Mauá numa Embarcadero [4] – um boulevard largo, de duas mãos, com canteiros harmônicos, calçadas convidativas e ciclovias.

O muro da Mauá: é um ponto polêmico há muito tempo. A sua proposta e a sua efetividade precisam ser reanalizadas, levando-se em conta que o regime hidrográfico dos rios que contribuem com o Guaíba mudou – tanto que tivemos chuvas volumosas nesse último mês sem sinal de preocupação no cais [5]. Por segurança, no entanto, creio que cabe estudar uma solução tecnológica, como a construção de barreiras mecânicas móveis, que possam ser içadas quando houver ameaça de enchentes. Também creio que se pode reforçar a estrutura dos armazéns, de maneira que seja possível usá-los como peças de um muro cujo fechamento seria feito por portões pesados. Outra solução que vi em um estudo de arquitetura internacional sobre o cais do porto [6] seria elevar partes da calçada no entorno dos armazéns, proporcionando a barreira com elegância.

Os armazéns: entre a estação Mercado e o Gasômetro existem uns 20 armazéns, todos meio parecidos, e todos meio feios, todos abandonados. Uns são mais antigos e são tombados, outros já são mais modernos. Para os mais antigos, obviamente é necessário mantê-los, priorizando a conservação de suas fachadas, mas adaptando-os internamente para os usos que requeiram espaços amplos (Centro de Eventos, por exemplo). Já os mais modernos poderiam receber alterações na fachada (vidro, por exemplo), que agregariam para espaços de shopping ou de bares. Alguns armazéns poderiam ser demolidos, e substituídos por alguma releitura mais futurista de um “armazém de porto”, dando-nos uma linha do tempo arquitetônica tal qual a existente na Champs-Elysées em Paris [7].

As docas: eu só peguei barco no guaíba duas vezes. Uma vez no gasômetro (Cisne Branco), e outra vez numa doca mais escondida, rumo à ilha do GNU. Disso deduzo que demos as costas ao rio – principalmente se compararmos ao período histórico anterior à ponte do Guaíba, quando tínhamos um rio cheio de vida e uso[8]. Um projeto completo precisa agregar valor ao porto como um modal de transporte, provendo opções aos cidadãos de cidades como Guaíba, Barra do Ribeiro e Ilhas de Porto Alegre[9]. Caso um dia consigamos despoluir o Guaíba e seus afluentes, ganharemos também com esportes náuticos e pesca.

Toda essa intervenção urbana requer recursos. É sabido que, para atrair investimentos privados, qualquer projeto urbano tem que prever usos financeiramente viáveis. Shoppings, lojas, centro de eventos e bares fariam uma boa parte disso, mas é indiscutível que um prédio de alto padrão (comercial ou residencial) agregaria bastante valor. No trecho mais próximo a rodoviária, existe um certo alargamento no espaço, que poderia ser aproveitado nesse sentido. Também se presta a isso a parte mais próxima ao gasômetro, desde que tomado o devido cuidado para não “ofuscar” este.

O que não podemos tolerar é o obscurantismo e uma resistência política hipócrita disfarçada de proteção ao meio-ambiente. Porto Alegre precisa urgentemente de vida e de mudança, sob o risco de se tornar a metrópole mais atrasada, inadequada e insalubre do país.

Referências e Notas:

[1] “Edifício do centro moderniza sua fachada” – http://tinyurl.com/ycprvo8
[2] com direito à estacionamento na área com mais potencial do prédio – http://tinyurl.com/ye8ys84
[3] em conjunto com o projeto portais da cidade
[4] The Embarcadero, San Francisco, EUA – http://tinyurl.com/ye9tnos
[5] e sim em outros pontos da cidade… mas ninguém fala em construir um muro em ipanema, right?
[6] não tenho o link, mas saiu na ZH faz um mês – e será solenemente ignorado pelo governo.
[7] ela começa na arquitetura antiga em torno do Arco do Triunfo, mas cada quadra é um pouco mais moderna, culminando num sofisticado centro de negócios chamado La Defense
[8] hoje chegamos ao ponto de não ter mais a procissão dos navegantes!
[9] quem sabe até Triunfo, Charqueadas e General Câmara!

(promovido de comentário a post completo)



Categorias:Economia da cidade, Meios de Transporte / Trânsito, Opinião, ORLA, Plano Diretor, portais da cidade, Projeto de Revitalização do Cais Mauá, Revitalização do centro, TURISMO

1 resposta

  1. O CENTRO DE PORTO ALEGRE SEM NINGUÉM
    A humanidade desapareceu do Centro de Porto Alegre. As pessoas que nele circulam são de fora, ou fantasmas que o povoavam no seu auge. A sujeira, o abandono dos prédios tombados, o descaso dos moradores – fantasmas indiferentes – e a violência tornaram o centro, que conheci na minha infância, um bairro morto.
    Tanto amo o centro, apesar de estar sem ninguém, que adquiri meu apartamento e vim tentar habitá-lo.
    Eu acredito que as pessoas conscientes voltarão.

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