Uma receita alemã de 2006 para a Porto Alegre de 2014

Evento na Capital debate o que é possível aprender com a experiência da cidade alemã, uma das mais importantes sedes da Copa do Mundo da Alemanha, em 2006

Falta pouco tempo para a Copa. Não a da África, mas a do Brasil, em 2014, quando Porto Alegre deverá estar pronta para receber jogos no estádio Beira-Rio e milhares de visitantes em suas ruas e seus hotéis. A aparente folga que os quatro anos de intervalo entre as duas competições pareciam dar aos gaúchos foi desfeita ontem, quando administradores de uma das cidades-sede da Copa da Alemanha detalharam aos porto-alegrenses o gigantesco trabalho que antecede o apito inicial do juiz.

Até hoje, uma comitiva da cidade alemã de Stuttgart – considerada uma das mais bem-organizadas da Copa do Mundo realizada na Alemanha em 2006 – participa de um evento destinado a repassar os pontos fundamentais da experiência germânica para facilitar o trabalho dos gaúchos. E não é pouco. Ao final do último dos três painéis realizados durante o seminário Porto Alegre e as Cidades da Copa de 2014 – A experiência Alemã de Stuttgart, o prefeito José Fortunati resumiu a impressão deixada pelos gestores europeus.

– Conseguimos ter uma visão da complexidade que a cidade vai enfrentar. Muita gente não vinha percebendo isso, mas, a partir de agora, acredito que vão focar mais – desabafou Fortunati.

A complexidade mencionada pelo prefeito porto-alegrense envolve treinar desde policiais e voluntários até comerciantes e taxistas, ampliar avenidas, reformar o estádio do Sport Club Internacional, atender aos rígidos padrões de segurança e atendimento de saúde impostos pela organização do campeonato, garantir rápida e fácil orientação a visitantes estrangeiros, entre muitos outros itens. A boa notícia, segundo os mesmos administradores alemães, é que seguir à risca o manual da Fifa deixa um legado urbanístico inestimável para a cidade-sede capaz de se organizar adequadamente.

Stuttgart, por exemplo, ampliou e modernizou seu já eficiente sistema de transporte público, desenvolveu uma área repleta de opções de esporte, lazer, cultura e recreação (NeckarPark), reformou um passeio público de 1,5 quilômetro de extensão e ganhou um moderno estádio. Além dos bens materiais, a diretora do Conselho de Turismo, Andrea Gehrlach, menciona ganhos menos visíveis mas igualmente fundamentais para uma cidade:

– Ganham-se equipes bem treinadas em áreas como segurança, aumenta o sentimento comunitário da população, o nome da cidade é divulgado – lembrou.

Stuttgart - Alemanha

O seminário, organizado pelas prefeituras de Porto Alegre e Stuttgart com patrocínio da Coca-Cola, forneceu algumas das dicas conceituais mais importantes para que o trabalho dos próximos quatro anos na Capital dê os frutos esperados: treinamento contínuo, equipes motivadas e comprometidas, coordenação entre as instituições envolvidas, preparação para diferentes cenários, entre outras lições. O vice-prefeito de Direito, Segurança e Ordem de Stuttgart, Martin Shairer, resume em uma frase o espírito que deve guiar uma cidade-sede:

– É preciso se preparar bem não para receber alguns jogos, mas para um mês de atividades especiais.

O último conselho dos experientes alemães – que também estão orientando a África do Sul na Copa que começa no próximo mês – é que os fanáticos visitantes de uma Copa do Mundo gostam mesmo é de se divertir.

– Nós ficamos um pouco frustrados porque preparamos exposições especiais nos museus, mas os fãs querem mesmo é fazer festa – concluiu o prefeito da cidade alemã, Wolfgang Schuster.

Por que Stuttgart

Embora não tenha recebido o primeiro ou o último jogo, a cidade alemã teve destaque na competição: – Na primeira fase, recebeu jogos de seleções como França, Holanda e Espanha. – Recebeu as quartas-de-final entre Inglaterra e Equador – A decisão do terceiro lugar, entre Portugal e a própria Alemanha, foi disputada em Stuttgart

 

O aprendizado germânico
MOBILIDADE URBANA
– Stuttgart foi favorecida por já contar com um moderno e eficiente sistema de transporte público, composto principalmente por metrô, ônibus e linhas de trem que somam 862 quilômetros de percursos. Graças a isso, a cidade superou a meta estabelecida pela Fifa de que pelo menos 60% do transporte no período dos jogos deve ocorrer pelo sistema público – alcançaram 80%. Um dos maiores investimentos foi a construção de um centro integrado de tráfego, de onde se pode monitorar o trânsito e fazer interferências, como alterar tempos de sinaleiras, além de modernizar o sistema de sinaleiras e instalar novos semáforos e câmeras, a um custo de 15 milhões de euros. Além disso, houve melhorias em algumas ruas e a implantação de um sistema de sinalização para pedestres.
O desafio da Capital
– É um dos principais problemas, agravado pelo grande número de veículos, falta de metrô, pouca taxa de utilização dos ônibus e limitações viárias.
SEGURANÇA PÚBLICA
– Stuttgart, uma das grandes cidades alemãs com menores índices de violência, providenciava, para cada jogo, até 1,8 mil policiais bem treinados a fim de proteger os torcedores e a população em geral. O treinamento incluiu ações de prevenção e combate ao terrorismo, ações violentas de multidão e contra os temidos hooligans. Torcedores fichados como violentos foram impedidos de entrar no país. A preparação da força policial de Stuttgart teve início dois anos antes do primeiro jogo. Políticas que provaram funcionar: a polícia alemã contava com o apoio de oficiais de outros países, do país de origem do time que iria jogar naquele dia. Além disso, os agentes foram orientados a identificar potenciais ameaças à segurança e abordar o suspeito antes de cometer um assalto ou começar uma briga.
O desafio da Capital
– A segurança é um problema. Desde o início do ano, houve 148 homicídios na Capital. Serão necessários reforços de efetivo.
SAÚDE E EMERGÊNCIAS
– Como qualquer cidade, mesmo uma potência econômica, Stuttgart não teria condições de alcançar sozinha os parâmetros de atendimento médico de emergência estabelecidos pela Fifa. A entidade máxima do futebol estabelece possibilidade de atendimento de urgência para 2% do público presente ao jogo – o que, em um estádio com capacidade aproximada de 50 mil pessoas, significa poder receber mil pessoas em hospitais quase ao mesmo tempo. A saída encontrada por Stuttgart foi mobilizar a rede hospitalar disponível em toda a região próxima. Além de treinar e manter em alerta o sistema de saúde dos municípios vizinhos, em todos os jogos estavam presentes 620 agentes de gerenciamento de desastres.
O desafio da Capital
– Certamente, os hospitais de Pronto Socorro nas zonas Sul e Norte serão insuficientes. Com isso, o caminho a ser seguido será o mesmo da cidade alemã: contar com o apoio de cidades próximas, como Canoas.
VOLUNTARIADO
– Além de contar com o trabalho dos servidores públicos, a organização de uma Copa depende em grande escala da disponibilidade de cidadãos que se oferecem para desempenhar as mais variadas funções sem remuneração para isso – recebendo em troca alimentação e uniforme. Além de 2,8 mil voluntários vinculados diretamente à Fifa, Stuttgart optou por selecionar mais 250 candidatos por sua própria conta a fim de aumentar a capacidade do município de receber os visitantes e orientá-los. Enquanto os voluntários da Fifa atuaram principalmente dentro e nos arredores do estádio, aqueles coordenados pela prefeitura se mantiveram em pontos estratégicos da cidade. Fluentes em pelo menos duas línguas, receberam camisas vermelhas para serem facilmente identificados.
O desafio da Capital
– Encontrar pessoas capazes de falar mais de uma língua e dispostas a trabalhar por um mês pode exigir algum esforço.
OPÇÕES TURÍSTICAS
– Copa do Mundo não se resume ao futebol. Há um batalhão de turistas disposto a conhecer novos lugares, beber, comer e fazer compras. Além de ter remodelado o calçadão próximo a um de seus principais shoppings, Stuttgart investiu na divulgação de suas vinícolas, inaugurou semanas antes da Copa um museu da Mercedes-Benz, melhorou as condições do principal parque da cidade e facilitou viagens a cidades próximas. Para aumentar o potencial turístico, foi instalado um grande centro de informações no aeroporto, existente até hoje. Ainda foi distribuído material de divulgação nos hotéis. Como resultado da atração exercida pela Copa, os índices de pernoite em hotéis mesmo depois de competição aumentou em relação ao período anterior.
O desafio da Capital
– A Capital precisa melhorar uma série de seus pontos mais importantes, como seu centro histórico e a orla do Guaíba. Será favorecida, porém, pela proximidade com a região serrana.
INFRAESTRUTURA
– A cidade não precisou construir um novo estádio, mas fez reformas significativas na casa do VFB Stuttgart. Atualmente chamado Mercedes-Benz Arena, recebeu reforma completa na cobertura de aço, dois telões de 115 metros quadrados cada um, cadeiras em couro com sistema de aquecimento para o inverno e um novo centro comercial a um custo aproximado de 51 milhões de euros. As obras começaram três anos antes e terminaram em janeiro de 2006. Um trecho de uma grande rodovia foi transformado em um túnel, sobre o qual foi construído um passeio ajardinado, e uma das principais vias para pedestre da cidade, com 1,5 km.
O desafio da Capital
– O estádio destinado para receber a Copa, o Beira-Rio, se encontra em fase inicial de adaptação para o evento. A cidade encaminha melhorias de infraestrutura como a duplicação da Avenida Edvaldo Pereira Paiva, mas precisa correr contra o tempo para resolver gargalos como a BR-116.

 

“Porto Alegre deve saber aproveitar a oportunidade”

Wolfgang Schuster, Prefeito de StuttgartDisposto a dividir com os gaúchos o aprendizado de Stuttgart ao sediar a Copa do Mundo de 2006, o prefeito da cidade, Wolfgang Schuster, conversou ontem com ZH. Em entrevista nos jardins do Hotel Deville, Schuster destacou a importância de iniciar a organização o mais rápido possível. O prefeito também deu um conselho: o importante é não desperdiçar a oportunidade. Leia a seguir os principais trechos:

Zero Hora – Quais foram as principais ações empreendidas em Stuttgart para que a cidade conseguisse se adequar às necessidades da Copa de 2006?

Wolfgang Schuster – Tivemos de fazer muitas coisas, começando por melhorias na mobilidade urbana. Em função do grande número de visitantes, foi preciso organizar muito bem o transporte público, de forma que todos pudessem se deslocar com facilidade. Também foi preciso pensar no que aconteceria se houvesse um acidente ou se alguém se envolvesse em alguma confusão durante o evento. Por isso fomos muito precisos no planejamento do esquema de segurança.

ZH – Quanto tempo antes do início dos jogos vocês começaram as reformas necessárias?

Schuster – Começamos a organizar as estruturas com cerca de três anos de antecedência. Mas o planejamento como um todo teve início antes, porque era muito importante finalizar algumas obras viárias e trechos do sistema de metrô. De uma forma geral, iniciamos os preparativos logo depois que saiu a decisão de que sediaríamos a Copa.

ZH – Que fatores o senhor destaca como fundamentais para explicar o sucesso de Stuttgart?

Schuster – A cooperação entre todos os envolvidos e a obsessão por treinamento, em todas as áreas. Treinamos taxistas, funcionários de hotéis, voluntários. Foi árduo.

ZH – A experiência de ter sediado a Copa de 1974 ajudou nos preparativos para a de 2006?

Schuster – Não. As coisas mudaram completamente de lá para cá. A situação era totalmente diferente. Acho que em 2006 tínhamos uma sociedade muito mais aberta, com pessoas que queriam celebrar juntas e que queriam usar o futebol para se tornar uma verdadeira comunidade. Esse sentimento de união fez toda a a diferença, porque antes tínhamos uma tendência muito forte de separação, com ricos de um lado e menos ricos de outro. Decidimos usar o futebol para unir as pessoas.

ZH – Quanto a cidade investiu?

Schuster – Muitas das obras finalizadas, entre elas o metrô, iríamos fazer de qualquer maneira, mas tudo foi acelerado em função do evento. Uma Copa do Mundo é uma oportunidade incrível de crescimento, e muitos investidores perceberam. Acredito que, ao todo, somando investimentos públicos e privados, ultrapassamos 500 milhões de euros.

ZH – O que a Copa de 2006 deixou de melhor para Stuttgart?

Schuster – O desenvolvimento da infraestrutura, principalmente de transportes, uma nova cultura de cooperação e uma imagem positiva de Stuttgart e da Alemanha. Agora, todo mundo sabe que os alemães não são apenas trabalhadores, mas também um povo que sabe celebrar.

ZH – Que conselho o senhor deixa para Porto Alegre?

Schuster – Porto Alegre deve começar o mais cedo possível a organização do evento e deve saber aproveitar a oportunidade. É um trabalho difícil, mas também muito prazeroso, e os resultados são fantásticos.

Zero Hora



Categorias:COPA 2014, Eventos, TURISMO

1 resposta

  1. Bem legal esta cooperação alemã conosco. Apoios assim nos favorecerão para construir nossa infra-estrutura para a Copa.

    abraço!

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