Porto Alegre ou Porto Seco?, por Clovis Oliveira*

Mosaico de fotos: Porto Imagem / Arquivo

Terminou o Carnaval e fiquei com a impressão de que nem iniciou. Andei pelas ruas de Porto Alegre durante os feriados, e não vi nada que me lembrasse a sua existência. Parecia um feriadão qualquer.

O Carnaval não me motiva muito, mas sempre gostei da movimentação festiva presente nas ruas da cidade e de ver os participantes das escolas de samba andando pelas ruas centrais com as suas fantasias, depois de desfilar.

Este ano, nem mesmo a Muamba foi realizada no Centro. Que diferença com o Carnaval do Rio de Janeiro e Recife, com os seus massivos blocos populares, tão marcantes na vida daquelas cidades.

Mesmo sabendo que o Carnaval costuma acontecer em algum dia mal divulgado na Cidade Baixa, é no Porto Seco que desfilam as escolas de samba, e foi lá que a minha preferida, a Restinga ganhou. Chamo uma das minhas gatas de “Tinga”, em homenagem ao bairro e ao jogador do Internacional. Mas esta simpatia pelo Carnaval não me impede de ver que o desfile das escolas de samba deixou de ser um fato social, cuja influência atingia toda a cidade e todas as classes sociais, e acabou escondido e confinado em um gueto distante.

Sem desrespeitar aqueles que gostam de ir ao Porto Seco, o fato é que, ao desaparecer das áreas centrais, o Carnaval perdeu legitimidade ante o conjunto da população da cidade.

Alguns anos atrás, quando foi sugerido que o desfile das escolas de samba fosse deslocado para a região do Parque Marinha, houve uma reação contrária de cunho elitista e, sem que tivessem sido discutidas outras alternativas, o Carnaval foi mandado para o Porto Seco.

Melhor seria que tivesse permanecido na região do Parque da Harmonia/Maurício Sirotsky Sobrinho, onde esteve durante muitos anos. Autoridades disseram que atrapalhava o trânsito, mas ninguém questionou a presença do Acampamento Farroupilha na mesma área. Nada contra o tradicionalismo e o acampamento, que têm a minha simpatia, mas por que o Carnaval não podia também permanecer ali?

Sempre me perguntei por que os “carnavalescos” das escolas de samba concordaram com a proposta da Prefeitura Municipal (na época administrada pelo PT, logo um partido surgido a partir dos movimentos populares) de levar o Carnaval para fora do Centro e de confiná-lo no gueto do Porto Seco. Como puderam ser coniventes com esta proposta elitista?

Nada me tira da cabeça que o Carnaval, uma festa que conta com a participação popular e, particularmente do povo negro, foi vítima de discriminação quando foi posto para fora da área central de Porto Alegre.

* Clóvis Oliveira é professor de História

Zero Hora



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37 respostas

  1. Marcelo

    Coloquei o leste e não disse o que! Estou falando do texto acima. O primeiro carnaval organizado foi levado por descendentes de portugueses em Porto Alegre, os Venezianos e os Esmeraldinos.

  2. Marcelo

    Não sei se leste, a cultura do carnaval é portuguesa (entrudo, século XVI) e não africana. Como somos uma cidade de origem açoriana, queira ou não ela faz parte de nossa cultura.
    Quanto a modificação da festa propriamente dita é outra coisa, agora que ela faz parte, faz!

  3. A cultura do carnaval não é coisa nossa. Não adianta. Morreu completo.
    Quem vai no porto seco é a classe D, só.
    O nosso carnaval é a Semana Farroupilha.

  4. Eu não gosto de samba, e não posso concordar com os mesmos “argumentos” de sempre, apelando para o racismo e o elitismo como motivos da “descentralização” do carnaval. E me incomoda essa histeria que alguns demonstram ao querer mostrar apenas a cultura afro-carioca como sendo a cultura afro-brasileira por excelência. Não é só no Rio que tem negro, por exemplo, e em outros locais existem outras expressões culturais, como o maracatu pernambucano. Eu já não concordo com essa supervalorização do “afirmacionismo” negrista, tampouco vou concordar que um evento estereotipicamente associado à pobreza e aos negros seja apresentado como a única manifestação cultural relevante num país que propaga aos quatro ventos ser a terra da miscigenação e da diversidade – então por que diabos ficam querendo pasteurizar a cultura???

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