Após mais de três décadas de espera, o morador de Guaíba ganhou uma forma rápida e acessível de ir a Porto Alegre.
Pode parecer que o barco catamarã que passou a fazer a travessia do rio Guaíba é só um meio de transporte coletivo. Mas acredite neste guaibense, é mais do que isso.
É a realização de um antigo sonho.
Guaíba tem uma condição atípica, se comparada com outras tantas cidades de regiões metropolitanas que existem no Brasil.
O guaibense vai à beira do rio que dá nome para a cidade e vislumbra, na outra orla, a olho nu, Porto Alegre.
Qualquer comparação entre as duas cidades é desproporcional. Em termos de cultura e entretenimento então, chega a ser constrangedor.
Porto Alegre tem cinemas, teatros, exposições, livrarias, sebos, lojas de instrumentos… um monte de coisa que o guaibense adoraria ter.
Antes do barco, para chegar até Porto Alegre, o guaibense tinha que se submeter a uma viagem de quase uma hora de ônibus, com tarifas que batem os R$ 13 e pouco para ir e voltar.
Sem contar no desconforto dos coletivos.
Ou seja, para quem cresceu em Guaíba – como é o meu caso – o simples ato de ir até um cinema tinha estas barreiras. Apesar de estar ali, tão perto.
Lembro que me submetia a acordar sábado de manhã bem cedo para pegar entradas baratas de um cinema velho da rua da Praia. Era condição necessária para o salário de um office-boy guaibense bancar os custos de assistir um filme na tela grande.
Normal para cidades distantes? É vero, mas durante a infância e adolescência de uma geração inteira, era possível ver Porto Alegre logo ali. Eramos um bando de esfarrapados vendo uma vitrine formidável, cheia de promessas de aventuras e luxo.
Acho que a maioria não sente esse aperto. Mas para aqueles que tinham noção da riqueza do universo que tinha na outra margem – os que tinham acesso a bancas de jornais e internet discada – essa distância era duríssima.
Segundo sempre ouvi falar, antes Guaíba chegou a ter uma balsa nos anos 70.
A cidade, que depois teve vários de seus bairros constituindo outros municípios, servia de praia para a classe alta porto-alegrense. Tinha até um cinema, que exibia filmes da Mary Terezinha e do Teixeirinha, conforme contam os mais velhos.
Aí, de repente, veio uma empresa de celulose com promessa de desenvolvimento.
Trouxe empregos, mas também um fedor que marcou a cidade.
A balsa, sei lá por que, deixou de existir.
E um terrível monopólio de uma empresa de ônibus fez com que a cidade tivesse que se submeter a um serviço de péssima qualidade para chegar a Porto Alegre.
A classe alta da cidade, claro, seguia indo com seus carros até a capital gaúcha.
O guaibense pobre precisava esperar mais de uma hora por um ônibus aos domingos, com constantes quebras e preços exorbitantes.
Nesse meio tempo, inúmeras promessas da volta da travessia de barco alentavam os guaibenses. Cada decepção aumentava nosso cinismo e conformidade com a situação.
A cidade empobreceu em todos os sentidos.
Guaíba criou guetos. Existem rappers, skaters, pagodeiros, e um sem número de tribos urbanas.
Mas com o governo dando as costas à população, a degradação se instalou de maneira acachapante.
Guaíba só aparecia no noticiário com destaque negativo quando saíam os balanços de violência, uso de drogas e doenças (campeã da Aids por muitos e muitos anos no Estado).
(Por isso fiquei tão impressionado com o bailarino Alex).
Do outro lado do rio, prédios era erguidos. Nós observávamos de longe.
Esse catamarã de hoje faz a travessia em 30 minutos e com horários marcados.
A cidade claramente se avivou. De um ano para cá, Guaíba melhorou sua auto-estima de maneira proeminente – talvez quem esteja na cidade não perceba, mas para um forasteiro que faz visitas anuais lá (tipo eu) isso é bem óbvio.
Isso também é fruto da sensação de segurança – há câmeras de vigilância espalhadas por pontos-chave da cidade.
Mas nem tudo é uma maravilha. A cidade ainda tem muitos desafios pela frente. Falemos disso em breve.
Publicado em fevereiro 14, 2012 por João Varella – TRILHOS URBANOS
Categorias:Travessia POA - Guaíba
Me criei em Guaíba, e nunca achei a cidade “degradante” ela é apenas uma cidade interiorana, sob alguns aspectos tem mais qualidade de vida do que Porto Alegre.
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É amigo, e tinha quem duvidasse disso..
haha
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