Como os holandeses venceram a ditadura do automóvel

Um vídeo de enorme importância para o Brasil mostra como é possível mudar mentalidades e sistemas de transporte

Outras Palavras não publica normalmente material em outros idiomas, mas o vídeo acima (em inglês – para legendas em português, clique em “CC”, sob a tela) merece uma exceção. Precisamente no período em que surge no Brasil uma forte mobilização em favor de outro sistema de transportes e mobilidade, ele mostra que esta luta pode ser vitoriosa. Está focado na Holanda, provavelmente o país que melhor superou a locomoção baseada no automóvel individual — substituindo-a por uma vasta rede de trens, bondes e ciclovias.

Em seus 6m29, o documentário revela algo chocante: a cultura da bicicleta sempre foi forte na Holanda; no entanto, há menos de quarenta anos, o trânsito era tão hostil às bicicletas como o de nossas cidades. Num único ano (1971), houve 3,3 mil mortes no trânsito — entre os quais, 400 crianças — parte importante dos quais, ciclistas. Os dados são ainda mais expressivos por se tratar de um país cuja população (16,6 milhões) é semelhante à da região metropolitana de São Paulo.

As mortes estão estreitamente relacionadas a um processo muito semelhante ao vivido hoje no Brasil. Libertada do domínio nazista em 1945, a Holanda viveu, nos 25 anos seguintes, um enriquecimento acelerado, que beneficiou todas as classes sociais. A renda per capita cresceu 222%, entre 1948 e 1970. Boa parte dos que passaram a viver em condições mais favoráveis aspiravam ao padrão de consumo tradicional, em cujo centro está o automóvel. Para abrir avenidas, destruíam-se conjuntos residenciais e ciclovias. Praças foram convertidas em estacionamentos. O deslocamento médio realizado diariamente por um holandês passou de 3,9 para 23,2 km.

Dois fatores colocaram o modelo em xeque. O primeiro, e decisivo, foi uma intensa mobilização social contra a ditadura do automóvel, a partir dos anos 1970. Ele serviu-se do apego da população à bicicleta, que remota ao começo do século 20. Convergiu para intensas mobilizações em favor de um novo projeto de cidade. É algo que pode se dar também no Brasil contemporâneo, caso haja uma articulação mais forte entre movimentos como as lutas pelo direito à moradia, as bicicletadas e o ambientalismo urbano.

O primeiro choque mundial de combustíveis, em 1973, foi o catalisador final. Dependente do petróleo ao extremo, a Holanda viu-se contra as cordas, quando o preço do barril triplicou em poucas semanas. Porém, um governo ousado, dirigido pelo primeiro-ministro trabalhista Joop den Uyl, reagiu com medidas como os “domingos em carro” e a proibição dos automóveis no centro das cidades.

Combinada com a mobilização social já existente, esta atitude deu início a uma revolução urbana. O traçado viário das cidades foi inteiramente transformado, para que surgissem áreas seguras para ciclistas. O uso da bicicleta, que declinara 6% ao ano no pós-II Guerra, cresceu entre 30% e 60%, em poucos meses. Junto com as ciclovias, floresceu um vasto movimento de recuperação das cidades, que transformou em praças e parques áreas antes colonizadas pelos carros. A profusão de espaços públicos e os contatos sociais e a sensação de liberdade que eles proporcionam são, por sinal, um dos ingredientes centrais para o encantamento produzido por cidades como Amsterdam.

O documentário termina com uma provocação:

“Os graves problemas causados pelo automóvel não eram uma exclusividade dos holandeses”, diz o locutor.

E instiga: “A saída que eles encontraram também não precisa ser”…

Bastam alguns minutos, após descer na estação ferroviária de Amsterdam, para sentir a enorme transformação no ambiente urbano.

Blog Coletivo Outras Palavras

Ponto de Cultura – Escola Livre de Comunicação Compartilhada

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Eu havia postado esta matéria e tinha um video. Mas como postei num computador em que o youtube é bloqueado, não pude conferir a edição. E vi agora que não estava aparecendo o video. Agora atualizei. E ninguém comentou nada !!!

Agora vejam com o video anexado.

E não esqueçam, cliquem em CC pra ativar as legendas.

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Categorias:Bicicleta, ciclovias, Meios de Transporte / Trânsito

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19 respostas

  1. Eu havia postado esta matéria e tinha um video. Mas como postei num computador em que o youtube é bloqueado, não pude conferir a edição. E vi agora que não estava aparecendo o video. Agora atualizei. E ninguém comentou nada !!!

    Agora vejam com o video anexado.

    E não esqueçam, cliquem em CC pra ativar as legendas.

  2. Eu acho um SACO essa obsessão por Amsterdã. Eu entendo que alguns grupos façam isso afinal ela é um ótimo exemplo para quem quer vender a idéia de uso de bicicletas, mas poderia ser usado uma série de outros exemplos, como Paris e uma porção de cidades da Alemanha, para mencionar algumas.

    E não sei se vocês sabem, mas entre as 10 cidades mais “bike-friendly” do mundo, existem umas 4 americanas. Amsterdã é do jeito que é, e é um bom exemplo, mas não é necessariamente o que vamos virar um dia.

  3. O BR so’ vai adotar bicicletas quando tiver seguranca nas ruas. Seguranca: motoristas que respeitam e seguranca contra violencia.

    Estamos bem longe dos Paises Baixos.

    • A criminalidade caiu nos países que incentivaram o uso massivo de bicicletas para o transporte. Isso aconteceu em Bogotá, que é terceiríssimo mundo. Não é de admirar, já que as ruas se transformam em verdadeiros lugares de convivência quando o automóvel particular é deixado pra segundo plano.

      • Poderias nos dar a fonte sobre essa queda de criminalidade?

      • Quem disse foi o ex-prefeito de Bogotá, que implantou a política “cidade para as pessoas” na capital:

        Mesmo se não houvesse fonte, faz todo o sentido. Uma rua com calçadas estreitas e repleta de carros é um ambiente mais hostil e individualista, e isso é convidativo para o crime. Se ao invés da maioria estar fechada em seu cubículo, estivesse de bicicleta, isso demandaria menos espaço público para o trânsito. Significa mais espaço para que a rua seja um lugar de convivência, e não simplesmente de passagem de automóveis.

        Bom, é só olhar para as ruas de cidades mais humanizadas como Copenhagen, e comparar com as ruas de São Paulo. Qual delas é mais convidativa para fazer um assalto? Se vê uma integração maior entre as pessoas onde o carro não é prioridade, e isso torna a cidade mais segura.

      • Ok, concordo com tudo que ele falou em relação a trânsito (estacionamento não é um problema que o estado deve resolver, etc) mas resumir a redução da criminalidade de Bogotá a redução dos automóveis é uma mentira. Não estou dizendo que isso não faz parte de uma mudança de valores, etc, mas muito mais foi feito por lá. A polícia foi modernizada e reequipada. Campanhas educacionais foram feitas. Limitaram o funcionamento (horário) das casas noturnas (apedrejem o Nagelstein em relação a Cidade Baixa agora), e assim vai. Fontes? Aí vão:

        http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2002/020819_eleicaoviolencia3ro.shtml

        http://www.clubedasluluzinhas.com.br/noticia.asp?id=62648

      • Ok, ele pode ter se equivocado em dizer que essa redução foi graças ao estímulo da bicicleta, como se nada mais influenciasse. Mas eu ainda acho que essa política de traffic calming influencia de forma significativa para redução de crimes, pelos motivos que falei acima.

  4. Bem legal! Cabe lembrar que em Amsterdam chove 175 dias por ano, em média, além disse há neve… aqui em PoA o que mais prejudica é a política!

Trackbacks

  1. Diminuir vias para melhorar o trânsito?

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