ARTIGO: Dubai: cidade ecologicamente insustentável, por José Eustáquio Diniz Alves

Dubai é uma cidade que se vende como se fosse uma grande Itu do deserto. Em Dubai tudo é superlativo: o mais alto prédio do mundo, o hotel mais luxuoso e caro do globo, o maior shopping center, o maior aeroporto, etc. Além disto, construiram uma montanha de neve artificial para esqui, piscinas com ondas, um campo de golf que precisa de milhões de galões de água por dia, restaurante construído em gelo, hóteis feitos em granito, mármore e ouro, etc. E muito, muito automóveis e ar condicionados. Ninguém anda a pé.

Com o dinheiro do petróleo o governo dos Emirados Árabes Unidos investiu na construção de uma cidade totalmente artificial no meio das dunas quentes, como se fosse uma Disneylandia do deserto. Mas não foi uma cidade feita para economizar energia, água ou se adaptar às condições inóspitas do semi-árido, como faziam os antigos beduinos. Ao contrário, criaram uma cidade das Mil e Uma Noites voltada para o luxo, o desperdício, a desigualdade social, a falta de liberdade e a insustentabilidade ambiental.

Aliás o dinheiro do petróleo tem permitido a construção de cidades no Oriente Médio totalmente insustentável do ponto de vista dos recursos naturais. Qatar é um país de 1,4 milhões de habitantes com uma pegada ecológica per capita de 11,68 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 2,05 gha. O Kwait é um país de 2,5 milhões de habitantes com pegada ecológica de 9,72 gha e biocapacidade de apenas 0,43 gha. Os Emirados Árabes Unidos tem uma população de 8,1 milhões de habitantes, uma pegada ecológica de 8,44 gha e uma biocapacidade de 0,64 gha. Estes são os 3 países com maior pegada ecológica do Planeta e com os maiores déficits ambientais. Isto quer dizer que eles só sobrevivem porque importam alimentos e matérias-primas do resto do mundo.

Mas Dubai é o ícone da insustentabilidade. A Shangri-La do Oriente Médio foi construída do nada em poucas décadas de bolha de crédito, com supressão de direitos, escravidão e ecocídio. Depois da crise de 2009 os segredos de Dubai e o lado obscuro da cidade estão aparecendo. Enquanto isto algumas ilhas artificiais (construídas em um conjunto em forma de palmeira) estão afundando e os lagos artificiais estão possibilitando a propagação de algas que emitem um odor fétido e atraem mosquitos, ao mesmo tempo que afastam os investidores.

A explosão imobiliária (e a especulação) foi construída com o suor dos trabalhadores estrangeiros, principalmente Filipinos, Etiopes, SriLanka, Paquistaneses e indianos. Vivendo em condições extremamente precárias, passam praticamente a vida toda trabalhando, para mandar dinheiro para casa (remessas) que nao é suficiente e não permite o mínimo de autonomia. A sub-classe de trabalhadores estrangeiros – que construiu a cidade – está escondida das vistas dos turistas em Sonapur (em hindu significa cidade do ouro) que é uma série de edifícios de concreto idênticas, onde 300.000 homens vivem amontoados entre o cheiro de esgoto e suor.

Sem os trabalhadores estrangeiros e sem o petróleo a cidade de Dubai não sobrevive. Pode até ser que o turismo gere alguma fonte de receita, mas as desigualdades sociais e a falta de liberdade política não é um modelo que atraia muita atenção do mundo. A família real se acha dona do país e vê as pessoas como seus servos. Aliás, praticamente toda a população nativa trabalha para o governo, que tem sua fonte de renda no petróleo e na renda de imóveis e terrenos.

Portanto, Dubai pode ser uma boa cidade para se comprovar a capacidade humana de construir obras dignas das Sete Maravilhas do Mundo. Mas como as pirâmides dos Faraós, Dubai também pode se tornar apenas um símbolo de uma cidade ecologicamente insustentável no meio do deserto que será incapaz de sobreviver depois do fim dos combustíveis fósseis e das bolhas imobiliárias.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;

E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Portal EcoDebate, 03/08/2012



Categorias:Arquitetura | Urbanismo, Artigos, Sustentabilidade

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53 respostas

  1. Acho o q fizeram com Dubai algo interessante. Enquanto isso o Brasil está se tornando o lixo e o país das Drogas. Nossos defeitos são 1000 vezes Pior, vamos olhar p nosso umbigo.

  2. O problema do petróleo não é um mero problema de custo de extração é um problema de balanço energético.
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    Existe um índice o chamado EROI (Energy returned on energy invested) que tira o custo financeiro do cálculo do que significa o fim do petróleo barato.
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    O índice EROI correlaciona a energia retornada para a energia empregada para extraí-la, por exemplo se em todas as operações, localização das reservas, pesquisa das mesmas, perfuração, extração, transporte, refino e distribuição se gasta por exemplo 1kW por determinada quantidade de energia final resultante, por exemplo 100kW, o EROI fica 100/1=100, ou seja se gasta uma unidade de energia, que pode corresponder a 1US$ ou 10US$ ou ainda 100US$ e se obtém como resultado o que corresponderia 100US$ ou 1.000US$ ou ainda 10.000US$ respectivamente.
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    Caso se tenha um EROI de 100 como se era no início do século XX os custos energéticos de obtenção do petróleo eram insignificantes e devido a isto ele nem era quantificado. A medida que o petróleo é obtido em regiões mais difíceis, Alasca, águas profundas, ou até na Antártica (que não fiquem os ecologistas preocupados porque ele é totalmente inviável) este custo influencia no preço atingindo valores que independem da vontade do produtor, por exemplo hoje em dia (valores de 2007 a 2010) o EROI do petróleo está atingindo valores entre 8 a 10, ou seja, já se gasta 10% a 15% do valor na produção e distribuição do mesmo.
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    Se raciocinarmos em termos de EROI veremos que há claramente um limite, ou seja EROI 1 (unidade), quando um combustível qualquer atinge este valor não existe possibilidade em extraí-lo pois se gasta a mesma energia para o extrair que se obtém para consumo, é o que se chama um processo antropofágico.
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    Qual a importância disto, a importância é que as fontes de energia se aproximam deste limite do EROI unitário rapidamente, para dar uma ideia vou colocar alguns valores de algumas fontes de energia para que todos tenham noção do problema energético.
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    Fonte de energia…………………..Ano……….EROI
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    Combustíveis fósseis
    …Petróleo e gas (USA)………..1930………>100
    …Petróleo e gas (USA)………..1970………30
    …Petróleo e gas (USA)………..2005………11 to 18
    …Novas descobertas (USA)…1970………8
    …Produção nova (mundo)…….1999………35
    …Petróleo (mundo)……………..1990………35
    …Petróleo (mundo)……………..2005………18
    …Petróleo (mundo)……………..2007………12
    …Gas natural (mundo)…………2005………10
    …Gas natural (mundo)…………1950………80
    …Gas natural (mundo)…………2000………80
    …Óleo de areias betuminosas…n/a……….2 a 4
    …Óleo de xisto betuminoso……n/a……….32
    Outras não renováveis
    …Nuclear…………………………….n/a……..5 a 15
    Renováveis
    …Hidroeletricidade………………..n/a……….>100
    …Energia eólica…………………….n/a……….18
    …Coletores solares
    ………Coletores planos……………….n/a……….1,9
    ………Concetradores de energia…..n/a……….1,6
    ………Fotovoltaicos…………………..n/a……….6,8
    …Biomassa
    ………Etanol (cana de açucar)……..n/a……….0,8 to 10
    ………Etanol (milho)………………….n/a……….0,8 to 1,6
    ………Biodiesel…………………………n/a……….1,3
    .
    .
    Fonte: Year in review—EROI or energy return on (energy) invested
    David J. Murphy, Charles A. S. Hall
    29 JAN 2010
    ANNALS OF THE NEW YORK ACADEMY OF SCIENCES

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