O desafio da mobilidade, por Mauri Cruz

O desafio da mobilidade – Parte I: Função e Papel das Cidades no atual modelo econômico

É consenso entre os urbanistas de que as cidades foram moldadas como parte do negócio capitalista. Primeiro, para viabilizar a produção em massa através das fábricas. Hordas de pessoas foram praticamente arrancadas das áreas rurais para se empilharem em cidades não planejadas e desordenadas com o único objetivo de serem insumo da produção e, porque não dizer, da acumulação capitalista.

Mas as cidades cumpririam outra função. A de reunir grandes contingentes de consumidores em um mesmo espaço facilitando e reduzindo os custos da logística de distribuição dos produtos destas industrias. Assim fez-se as cidades. Como produtora e consumidora de seus próprios produtos numa reprodução cíclica de produção e consumo. Neste modelo de cidade à serviço do mercado a mobilidade era uma dimensão da logística da produção e do consumo. Não estava relacionada com direitos das pessoas que passaram a viver nestes novos espaços urbanos.

Acontece que, por reunir num mesmo espaço tantos trabalhadores e trabalhadoras as cidades também se tornaram espaços de organização social e construção coletiva de propostas desta nova classe social. Estas propostas exigiam moradia, estruturas decentes de lazer, espaços para tratar da saúde, da educação e demais necessidades humanas. A luta social começou a redesenhar as cidades no sentido de torná-las mais agradáveis para a vida dos seres humanos.

Neste processo de redesenho desde o início estabeleceu-se um conflito entre os interesses coletivos das pessoas e os interesses privados do mercado. Para se atender as necessidades das pessoas de forma universal, otimizando os recursos naturais existentes e promovendo equidade no acesso à cidade é preciso serviços públicos organizados em rede, de forma racional e distribuídos de forma uniforme por todo o território. Já o mercado quer liberdade para se expandir para onde haja poder aquisitivo capaz de adquirir seus produtos e não se dispõe a investir onde não haja uma boa taxa de retorno financeiro.

Assim, um primeiro debate que se impõe é sobre o caráter e papel das cidades. Se elas devem ser o logus da exploração e acumulação capitalista ou o lugar onde as pessoas tem direitos de viver com dignidade. A resposta para esta pergunta cada pessoa pode ter a sua. No entanto, sendo o estado o representante de toda a sociedade e de seus interesses mais profundos a resposta só pode ser uma. De que a cidade não pode ter como função a reprodução dos interesses econômicos de parte da sociedade. Ela até pode ser um lugar onde as atividades econômicas aconteçam, mas estas atividades devem estar subordinadas ao interesse coletivo do bem viver. É com esta concepção que devemos pensar o modelo de mobilidade.

O desafio da mobilidade – Parte II: Planejando o Uso e Ocupação dos Territórios

A mobilidade das pessoas é induzida e induz a ocupação dos territórios urbanos. É induzida porque primeiro surge um empreendimento ou iniciativa, tipo um residencial, uma indústria, um empreendimento turístico que gera a necessidade de viagens. Um espaço vazio distante do centro urbano acaba se tornando um lugar de desejo para um determinado grupo de pessoas e, com isso, gera a necessidade de uma estrutura de mobilidade. Por outro lado, ao ser criada esta condição de mobilidade, espaços próximos que antes eram inacessíveis tornam-se espaços com disponibilidade de acesso. Aumento o valor da terra, surgem novas possibilidades de uso e, com isso, uma demanda inicial de viagens acaba por ser potencializada e a chamada expansão urbana se realiza.

Vemos isso atualmente com os projetos do Programa Minha Casa Minha Vida do Governo Federal. Tal qual os “pombais” da extinga COHAB, este programa está levando para áreas anteriormente abandonadas um contingente enorme de pessoas gerando necessidade de novas viagens. Com isso, se ainda não estão sendo feitas vias pavimentadas, escolas, creches, estabelecimentos comerciais, postos de saúde, eles logo surgirão e com eles mais necessidades de viagens. Cria-se um polo de atração de viagens e este mesmo polo amplia a ocupação vertiginosamente.

O este breve relato já esclarece tudo para qualquer inexperiente leitor. Se não há planejamento urbano sobre o uso e ocupação do território das cidades esta ocupação desordenada gera o caos e, por consequência, amplia e perpetua as desigualdades sociais tão visível em nossas cidades. Nossos gestores públicos, principalmente os prefeitos responsáveis pela maioria das políticas públicas são impelidos a fazer coisas, cada vez maiores e em maior número. Agem como se houvesse um concurso de obras. Bom político é aquele que faz mais obras em menor tempo. No entanto, na gestão das cidades, muitas vezes, bom administrador é aquele que otimiza e potencializa aquilo que já existe dando sentido e utilidade prática a obras já construídas e consolidadas pela história. Vemos, por exemplo, que em muitas cidades europeias há pessoas morando em casas de 400 anos que foram de seus ancestrais. Com conforto e qualidade. O mito da pretensa qualidade do novo é mais uma peça que a ideologia capitalista incutiu na cabeça de muitos gestores públicos. Para fazer o novo tem que ter novas obras, novos contratos, novos investimentos.

Bem, mas o que nos interessa aqui é firmar o conceito de que não haverá uma solução para os problemas da mobilidade em nossas cidades se não houver planejamento sobre o uso e ocupação dos espaços. E é preciso que se diga que não é qualquer planejamento, mas um planejamento centrado em medidas que distribuam de forma racional e em todo território os polos de interesse das pessoas, tais como, escolas, empresas, bancos, serviços, espaços de lazer, bibliotecas, cinemas, comércio, dentre outros, reduzindo assim as necessidades de deslocamentos e aproveitando de forma mais harmônica o território urbano.

* Mauri Cruz é advogado com especialização em direitos humanos pela UFRGS/ESMPU. Conselheiro do CDES-RS e membro do Conselho Deliberativo Metropolitano – CDM. Foi Presidente da EPTC no Governo Raul Pont e Presidente do Detran-RS no Governo de Olívio Dutra.

SUL 21



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4 respostas

  1. Quanta besteira. As cidades foram uma consequência das modificações do modo de vida da humanidade, não foram moldadas como “decorrência do negócio capitalista”, Uma cidade é uma tribo fixa. As cidades surgiram com a agricultura, que resultou em acumulação de recursos o que impulsionou o comércio, isso centenas de milhares de anos do conceito de capitalismo surgir. A discussão sobre mobilidade, uso de espaços comuns públicos remonta a tempos além da Grécia e Roma antiga, reduzir a cidade a um “logus da exploração e acumulação capitalista ou o lugar onde as pessoas tem direitos de viver com dignidade” é muito simplista e leviano. Visualizar a cidade como a materialização da guerra de classes, da mais valia e outros conceitos “moderníssimos” do tempo de Marx é um atraso. Acho engraçado que essas pessoas que acham que as soluções do mundo atual estão em livros escritos há mais de 300 anos enchem a boca para chamar os que discordam de suas idéias de “reacionáios”.

    • As cidades existem ha mt tempo, mas elas verdadeirsmente se expandiram nos ultimos 150 anos

      • Defina “verdadeiramente se expandiram”. Em 1800 Londres tinha mais de 1 milhão de habitantes! Constantinopla teve mais de meio milhão de habitantes, isso 500 anos antes da Virgem Maria ser supostamente fertilizada por um anjo! As cidades “verdadeiramente se expandiram nos últimos 150 anos”, de acordo com quem?

  2. Eu já havia lido esse texto no SUL21. Ele está longo, redundante é peca pelo excesso de abrangência. Acho que ele deveria focar em apenas um ponto, apresentá-lo e embasa-lo com dados…

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