O desafio da mobilidade – partes III e IV, por Mauri Cruz

O desafio da mobilidade – Parte III: Sobre os conflitos da Macro e Micro Acessibilidade

Tratando a mobilidade como um direito há que se considerar que quando nos deslocamos temos dois tipos de necessidades. A primeira é de nos locomovermos rapidamente de uma determinada região da cidade para outra, tipo sair do bairro para o centro, ou da zona norte para a zona sul, ou mesmo ir de uma cidade para outra em uma determinada região metropolitana. Para atender esta necessidade é que são construídos os chamados sistemas viários estruturais ou as redes integradas de transporte coletivo de grande capacidade como os metros e, mais recentemente, os BRTs (Bus Rapit Transports). A isto chamamos de macro acessibilidade que consiste nos longos deslocamentos com cerca de 15 a 30 quilômetros dentro de uma área urbana.

Tudo certo conceitualmente não fosse o fato de que estas avenidas e corredores precisam passar por “dentro” das cidades entrando em conflito com outras funções da cidade que são as funções de moradia, lazer, educação, serviços públicos, comércio, dentre outros. Para se ter acesso a estes espaços e, principalmente, poder usufrui-los de forma segura, é preciso que haja um sistema viário e de transportes que privilegie a chamada micro acessibilidade, com calçadas largas, pontos de parada de embarque e desembarque próximos e vias com largura pequena para reduzir a velocidade dos veículos. Geralmente há problemas de circulação e de trânsito quando há conflitos entre estas funções urbanas, ou seja, quando é destinado a um mesmo espaço da cidade cumprir a função de macro e micro acessibilidade. O conflito é claro porque para funcionar bem a função de macro acessibilidade é preciso pistas largas e velocidades acima de 60km/h. Já para permitir com segurança e conforto a micro acessibilidade é preciso reduzir a quantidade e a velocidade dos veículos privilegiando a condição de pedestres.

Como vimos anteriormente, nossas cidades não foram planejadas para proporcionar qualidade de vida as pessoas e sim para reproduzirem os interesses de reprodução do capital. Assim, vemos estes conflitos de funções urbanas em todas as áreas das nossas cidades. Ingênuo é o técnico de engenharia de trânsito que acredita que irá resolver os conflitos de trânsito com projetos de engenharia. O que estas obras geralmente fazem é trocar o conflito de lugar. Para que realmente fosse possível enfrentar este problema seria preciso um redesenho das cidades tendo como premissa a prioridade na segurança e conforto dos pedestres e ciclistas. E sempre organizando a macro acessibilidade de forma que ela não prejudicasse esta função mais nobre que é da micro acessibilidade. Em exemplo claro disso é a proibição do ingresso de automóveis e de veículos de grande capacidade nas áreas centrais dos centros urbanos. Isso é possível com a criação dos chamados estacionamentos dissuasórios nas bordas das áreas centrais para os automóveis e uma integração modal automóvel-ônibus de pequena capacidade para dar acesso aos centros. Uma medida simples, viável e inovadora que pode permitir que nossas cidades sejam mais amistosas aos seres humanos que as habitam.

O desafio da mobilidade – Parte IV: Dos Modelos de Mobilidade

Aqui reside a questão central dos problemas de mobilidade em nossas cidades. O Brasil, como de resto boa parte do mundo, sendo exceção cidades como Veneza, algumas cidades holandesas e norueguesas, optou pelo modelo de mobilidade centrado no transporte individual através dos automóveis. Aliás, alguém algum dia disse para o mundo que um carro individual para cada ser humano é o paraíso na terra. O problema é que os governos, desde o Presidente Juscelino em 1950 até a Presidenta Dilma em 2012, acreditaram. Tanto acreditaram que ancoraram toda a nossa economia na indústria automobilística. E aqui nem se trata de criticar o capitalismo porque os capitalistas também produzem bicicletas, ônibus, BRTs e metrôs. O erro é de política pública mesmo, de modelo de organização da mobilidade.

Há uma célebre questão que parece piada mas que faz todo o sentido. A pergunta é: qual o coletivo de automóvel? A resposta só podia ser uma: Congestionamento. Essa brincadeira infantil esclarece o óbvio. Se todos tiverem um carro na garagem ninguém sai de casa. Esta é a prova de que o modelo de mobilidade centrado no automóvel só funciona se houver uma sociedade desigual onde alguns tem e outros não tem. Numa sociedade minimamente igual já não funciona. Vemos isso atualmente no Brasil. Com a ascensão de pouco mais de 20% da população a chamada classe média a frota de veículos de Porto Alegre quase dobrou e temos congestionamentos todos os dias que são agravados com as obras viárias que existem justamente para acabar com eles.

Daí que a saída é uma só. Temos que pensar um modelo de mobilidade que seja, principalmente, universal. E este modelo deve ser o transporte coletivo planejada numa concepção de rede, com flexibilidade de tipos de veículos, com flexibilidade de itinerários, horários e, inclusive, com flexibilidade de tarifas de forma a atrair pessoas para os ônibus e metrô nos horários de entre-pico.

Dizem que o transporte coletivo só vai atrair a classe média quando for de qualidade. Pois eu digo que o transporte coletivo somente será de qualidade se for a alternativa de transporte da classe média. Daí que a medida mais eficaz para reduzir os congestionamentos e melhorar a qualidade do trânsito é restringir e disciplinar com dias e horários a circulação de automóveis nos centros urbanos. Para que isso seja feito sem que os gestores literalmente percam as suas cabeças deve-se complementar esta medida com a criação de serviços alternativos e complementares ao transporte coletivo oferecendo, num primeiro momento, novas opções de deslocamentos para os usuários que estarão nesta migração forçada do automóvel para as redes públicas de transportes.

Embora pareça muita ousadia esta proposta tenho pra mim que é fazer ou fazer. A diferença entre fazer agora ou depois é apenas uma questão de tempo. Como digo há quase 20 anos: o automóvel é inimigo do automóvel. Quem discorda é só pagar pra ver.

* Mauri Cruz é advogado com especialização em direitos humanos pela UFRGS/ESMPU. Conselheiro do CDES-RS e membro do Conselho Deliberativo Metropolitano – CDM. Foi Presidente da EPTC no Governo Raul Pont e Presidente do Detran-RS no Governo de Olívio Dutra.

Fonte: Parte III / Parte IV – SUL 21



Categorias:Meios de Transporte / Trânsito

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9 respostas

  1. Blog Porto Imagem: gostaria que o texto abaixo constasse do Blog Porto Imagem, por favor. Meu nome Cristina Strubinsky, da AMAPRAJA. Meu telefone fixo 33282529 e cel. 99598958. Meu CPF: 25062816068, e eu moro na rua Anita Garibaldi 1418/501 – 90480200. Se houver necessidade de mais dados, por favor o meu e-mail : cristinastru2@gmail.com. O importante que seu Blog possui muita penetrao e que inmeras pessoas so seus leitores habituais. O assunto est atormentando os moradores do entorno da esquina CGomes X Anita Garibaldi, que h mais de um ano vm protestando contra a construo *de uma trincheira* nesse local. E justificam seu ponto de vista por transitarem diariamente pelo local. Por gentileza, publique esse texto, para que mais pessoas, no s os moradores da Comunidade, entendam as razes postas pela AMAPRAJA. Quem sabe algum que possua poder de deciso leia e possa dar, como presente de ano novo para a Comunidade, a garantia definitiva acerca da no concretizao dessa obra? Acompanharemos, com muita frequncia, a publicao desse texto. Obrigada. Cristina Strubinsky.

    Foi publicada, no dia 28.12.2012, no caderno ZH Bela Vista, outra notcia acerca da iminente construo de ‘obra de arte’, pela PMPA, na esquina da rua Anita Garibaldi com a avenida Carlos Gomes, bairro Boa Vista, Porto Alegre. E, quase com o mesmo teor de outra, constante no jornal Zero Hora desta semana que passou.

    Essa obra j est sendo objeto de discusso entre a Comunidade e a Prefeitura Municipal de Porto Alegre h largo perodo de tempo. Os moradores do entorno j expuseram aos servidores municipais os aspectos que demonstram, sem sombra de dvida, que a alterao no alcanar os objetivos propostos. Mas, deparou-se com a prepotncia dos servidores representantes da Prefeitura de PA, que no admitem reconsiderar a situao, como se donos da verdade fossem.

    A Comunidade, unida em torno de um objetivo comum, se v desconsiderada sistematicamente. Em primeiro lugar, por uma administrao municipal que despreza que esse movimento, longe de traduzir-se em oposio sem sentido PMPA, se constitui numa fora que deveria ser preservada e utilizada em prol dos muncipes, em especial os que moram no entorno da esquina supracitada. Num segundo aspecto, perde a PMPA ao tentar impr uma opinio que vai trazer dificuldades s pessoas que nessa regio residem. E, pior, sem alcanar os objetivos a que aludem. Parece que a administrao municipal est acostumada a impr seu ponto de vista, sem levar em conta a opinio dos moradores atingidos. J se ouviu expressamente numa reunio que ocorreu em 25 de junho p.p., em concorrida reunio no Salo Paroquial da Igreja Mont’Serrat, que *’no se pode fazer omeletes sem quebrar ovos’, ***sendo enorme a repercusso negativa dessa desastrada assertiva entre os presentes. Se algum ainda esperava, em 25.06.2012, ter voz como cidado, sentiu, naquele momento, o tipo de tratamento dispensado aos muncipes. Muncipes, alis, que sustentam, atravs de seus impostos, a administrao municipal; que pagam os salrios de servidores que os ofendem e, com prepotncia, pretendem impr pontos de vista formados em Gabinetes, em detrimento daqueles que moram e transitam diariamente no local, e, inclusive, que suportam os vencimentos do Prefeito de Porto Alegre, o qual sempre declarou publicamente que a obra s vai sair se houver consenso com a Comunidade local.

    Mas, a reeleio j aconteceu e, ento, seu discurso, como se percebe atravs das notcias publicadas na mdia local, no o mesmo. Esse procedimento, a bem da verdade, comum em nosso pas, pois os aspirantes a cargos eletivos possuem discursos com duas fases distintas: antes e depois das eleies.

    Assim, permanece a Comunidade h mais de um ano sem poder relaxar. Mesmo explicando suas razes, pois moram no local e vem realmente o que acontece com o trnsito. E sabem, quando a PMPA ‘regula’ as sinaleiras, principalmente as que circundam a esquina em tela, que o trfego est mais represado do que de costume, para tentar mostrar a necessidade de uma obra sem sentido. Ora, como deve ser considerada uma administrao municipal que usa esse tipo de artifcio, em detrimento da vontade de uma Comunidade inteira?

    De sorte que a Comunidade, unida em torno da AMAPRAJA (Associao dos Moradores e Amigos da Praa do Japo), est a merecer tratamento melhor do que vem recebendo daqueles que a representam. E isso que ela espera. Ou o que pensar de uma administrao que, em DUAS QUADRAS, pretende construir uma elevada (na Plnio Brasil Milano esquina com a Carlos Gomes) e uma ‘trincheira’ (esquina da rua Anita Garibaldi com a avenida Carlos Gomes)? O mais sensato no seria fazer a elevada e, aps, vendo o reflexo positivo que essa construo causaria no trnsito, considerar que inexiste motivo para gastar mais dinheiro pblico na concretizao de uma obra/trincheira sem sentido?

    essa a opinio da Comunidade, que, espera, esperanosa, que o senhor Prefeito tenha um discurso coerente com quele exposto antes das eleies; que o mesmo oriente a seus servidores que o fato de uma Comunidade ter opinio benfico, pois responsabiliza as pessoas que tm pontos de vista coincidentes; que ter opinio diferente no significa ser contra a Prefeitura, mas a favor dos que moram na regio; que os servidores respeitem a Comunidade, mesmo que ela tenha posio contrria quela exposta e concebida dentro de Gabinetes, e, finalmente, que deixe a Comunidade em paz, declarando que a PMPA vai economizar R$ 11.000.000,00 de reais reconsiderando seu posicionamento, ou destinando esse montante a outras reas mais prioritrias e necessitadas do que a realizao de cinco jogos da Copa em Porto Alegre. Essa seria uma prova de dignidade e seriedade para com a Comunidade que mora no entorno, pois demonstraria honradez e sensibilidade. Estamos torcendo, com muita esperana, que o Senhor Prefeito demonstre coerncia com discurso pr e ps eleies, alm de trazer tranquilidade a uma Comunidade que h mais de um ano (um ano e meio, melhor dizendo) aguarda sua deciso deferitria.

    Porto Alegre, dia 30 de dezembro de 2012.

    Cristina S.

  2. Legal é a dicotomia dos comentários aqui. O fato do cara ser petista (o que é fato) e ter idéias mais à esquerda faz com que ignorem completamente as idéias dele. As coisas não são tão preto no branco pessoal.

  3. Blablabla, discípulo do Raul Pont, esperar o que.

  4. Quanto ao conflito dos veículos, estes em excesso, talvez não, como proibir alguém de andar com seu próprio veículo, pensarmos desta maneira seria um processo antidemocrático neste momento. Mas voltando a questão do trânsito como um todo, só teremos uma solução à curto espaço de tempo, o dia em que tivermos um transporte público com alta qualidade, não o lixo que representa o transporte público de Porto Alegre, em que o empresariado conduz a política do transporte conforme seus interesses. Por parte do erário público municipal o mesmo deixa a desejar em tudo na questão de transporte público, este caríssimo, ônibus sujos, lotações sujas, é só observar os veículos, veremos que a limpeza é algo em último plano.

    Enfim, a cidade de Porto Alegre como o restante de outras cidades do país, estão a mercê de monopólios de grupos envolvidos nesta área do transporte público, em que estes mesmos bancam a campanha de muitos políticos, com a população ficando refém de interesses políticos privados entre um jogo de amigos, que envolvem milhões em reais e em interesses.

  5. O cara reclamou do capitalismo e é ligado à ala comunista do PT. O modelo de mobilidade dele deve ser Cuba….

    Por que publicam essas porcarias nesse blog? Por que dar voz ao comunismo?

    A indefinição ideológica é o que mais atrasa esse estado. Os empresários não investem pois não se sentem seguros. O governo fica promovendo os ideais comunistas através de patuscadas como a briga com os pedágios.

    O carro é só o bode expiatório dos comunistas, de uma pseudo “luta de classes” que eles querem ver ocorrer aqui. Atacar o carro é pra eles atacar o símbolo do capitalismo, pois é um símbolo dos EUA. O estilo de vida centrado no carro para os comunistas é o diabo, pois é o estilo de vida propicio ao capitalismo. Por isso ele fala que é preciso forçar a “classe media” a usar transporte coletivo, pois ele quer conflito, assim os ideais dele se fortalecem.

    Nos estados unidos cada um tem seu carro e a economia deles vai muito bem, tendo crescido mais que a brasileira esse ano. Lá cada um tem direito à sua individualidade e ninguém vê problema nenhum nisso. Eles não são perfeitos, mas tem um alto padrão de vida numa sociedade onde o carro é visto como aquilo que é apenas: um meio de locomoção.

  6. “As cidades foram planejadas para reproduzirem os interesses de reproducao do capital” , critica o autor do texto.

    Eh essa a mentalidade das pessoas que vao protestar contra o Cais Maua, contra o Pontal do Estaleiro e contra empreendimentos no mirante do Santa Teresa.

    Logico que nosso transito tem que priorizar o coletivo. Mas nao precisamos de pessoas como esse senhor, com ideias contra a iniciativa privada. A simpatia que essas ideias tem em Porto Alegre que tem feito essa cidade ter a orla proibida e espantar ivestimentos.

  7. “A pergunta é: qual o coletivo de automóvel? A resposta só podia ser uma: Congestionamento. ” – FATO!. Falta a EPTC entender isso.

  8. O problema do país é a mentalidade das pessoas. Acham que o cômodo é o melhor. Sempre que houver incentivo para a compra de automóveis, mais o utilizaram. Não existirão jamais obras que consigam acabar com os congestionamentos, principalmente em Porto Alegre, onde o automóvel é o meio de transporte mais valorizado. Se tivéssemos a integração intermodal com qualidade e valorização do mesmo, tudo se tornaria mais simples. Não adianta alargar as vias, criar viadutos, precisamos de transportes públicos coletivos ou individuais mas com qualidade, calçadas largas e arborizadas em que o pedestre esteja em primeiro plano, ciclovias estratégicas. Um sistema de BRT, aeromóvel, monorail, metrô, trem ou VLT. Precisamos de mudanças de ousadia. PRECISAMOS QUE AS PESSOAS ESTEJAM EM PRIMEIRO PLANO E NÃO O CAPITALISMO, AS EMPRESAS AUTOMOBILÍSTICAS, AS GRANDES EMPRESAS.

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