Quem são as vítimas? Quem são os culpados? por Rogério Maestri

Em pouco tempo vivenciamos dois grandes acidentes no Estado do Rio Grande do Sul, um primeiro uma verdadeira tragédia um segundo que, graças ao bom Deus, vitimou somente o orgulho dos porto-alegrenses e dos técnicos que projetaram e executaram uma grande obra.

No acidente mais grave tivemos várias falhas que já estão sendo citadas por todos, no uso de materiais impróprios, falhas na ação de agentes públicos que não cumpriram com zelo as suas funções, falhas de todos que desleixaram a sua própria segurança, superlotando um lugar impróprio. Culminando a cadeia de falhas temos jovens artistas que simplesmente copiaram de maneira imprópria e irresponsável o que as grandes bandas internacionais executam diuturnamente.

No centro destes dois acidentes estão necessariamente a figura de técnicos, que em nome de uma sociedade ávida de tudo, transige e deixa transigir regras de segurança e do bem fazer, para satisfazer a todos. Se antes do primeiro acidente algum técnico mais rigoroso tivesse interditado o local de festas, em nome da tolerância e da transigência, os proprietários daquele estabelecimento teriam recorrido a justiça, e certamente mais um item da falha seria agregado a todo o conjunto.

Talvez no nosso mundo uma categoria se comporta de forma intransigente, os engenheiros aeronáuticos, estes em nome da segurança não tem o pudor de detectado algum erro crônico em um determinado sistema numa aeronave, ou num modelo de aeronaves, mandarem todas elas ficarem no solo antes que o problema esteja resolvido. Agora estes mesmos engenheiros nos dão uma lição sobre tragédias, eles dizem em alto e bom som que uma tragédia não ocorre por um só motivo, nem há um só culpado, há simplesmente erros ou falhas que se acumulam causando o grande problema.

Voltemos agora ao nosso caso da grande obra realizada em Porto Alegre, o conduto Forçado da Álvaro Chaves. Para aqueles que tem boa memória, relembro que como instrumento de crítica política era mostrado repetidamente, em determinados órgão de comunicação, as imagens de um rapaz com jet-ski andando pelo trecho da segunda perimetral junto ao parque Moinhos de Vento Era uma quase declaração de incompetência de uma prefeitura que não solucionava um problema aparentemente simples e considerado relevante.

A imagem provocativa tornou-se um ponto de honra da próxima administração que tinha que resolver um problema custe o que custasse, dentro deste desafio criou-se a necessidade imediata de uma solução, solução esta que violando determinadas regras do amadurecimento de um projeto, procurou até soluções de engenharia que não estavam comprovadas, como modelos teóricos que partindo de princípios básicos falhos e não comprovados experimentalmente.

Associado a pressão interna, começaram pressões externas que impediam a escolha das melhores soluções, tudo era pressionado pelo imediatismo e pela falta de planejamento a médio e longo prazo, até o trajeto do dito conduto foi modificado para não prejudicar algumas árvores, sem talvez levar em conta que esta modificação poderia criar problemas.

Terminada a fase de projeto passou-se a construção, de novo carecendo do planejamento necessário a obra foi começada sem um estudo anterior que definisse perfeitamente sua duração e sua implantação. Produto disto tudo, se implanta obras com falhas e problemas, que muitos foram resolvidos por improvisações no momento. Precisava-se da inauguração, pois logicamente uma obra começada por um governo deve terminar neste mesmo.

Bem, não descerei nos detalhes, mas na responsabilidade sim. Quem são os responsáveis pelos insucessos? Quem são os culpados?

Poderemos como todos estão fazendo começar uma lista, tal como as empresas de comunicação que provocam o poder público a realizar obras de forma imediatista e sem a devida programação. Os políticos que aceitam os desafios, e ouvindo aqueles que lhe dizem o que querem ouvir, se lançam a projetos arrojados com algumas soluções inadequadas. A população que na ânsia de resolver o atraso de cinqüenta anos em cinco, aplaude e aceita a aceleração da maturação natural das idéias ou os técnicos que para satisfazerem a todos adotam soluções longe da boa técnica.

Talvez tenhamos que procurar as vítimas e os culpados na origem de nossa sociedade, sociedade esta que nascida tardiamente em relação aos outros países procura vencer as distâncias através de atalhos, atalhos da irresponsabilidade de quem saindo uma hora atrasada procura vencer este atraso com excesso de velocidade.

Talvez tenhamos que optar, entre o risco da irresponsabilidade na velocidade das soluções. A cada grande salto que damos tentando vencer cinqüenta anos em cinco, ficamos depois dos cinco anos parados dez corrigindo os erros.

Talvez os técnicos tenham que se tornar mais intransigentes, exigindo o tempo e a forma da melhor solução sem que se dê cinqüenta passos para frente e dez para trás. Pois se isto não for feito, veremos que todos nós somos, ao mesmo tempo, culpados e vítimas de nossa imprudência.

Rogério Maestri – Engenheiro, Mestre em Recursos Hídricos e Especialista em Mecânica da Turbulência



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18 respostas

  1. E alguém confia em obras públicas, se nem mesmo podemos confiar em nossos (Infelizmente nossos) administradores públicos que só estão pensando em aumento de impostos e taxas e também se locupletarem? Eu não tenho mais idade de cair fora dessa parafernália que se chama Brasil.

  2. Concordo com o Engº Maestri e emendo o seguinte: faltou efetivamente fiscalização, ninguém da Pref. Mun. POA fiscalizou a obra que estava sendo realizada.

    Aliás, é só verificar quem atestou o pagamento do Empenho pago para a Empresa, se atestou o pagamento, efetivamente fiscalizou a obra em andamento.

    Total falta de fiscalização por parte da Pref. Mun. POA.

    Tomara que a Empresa faça o ressarcimento como afirma a suspeição do Pref. Fortunati.

  3. Concordo com eng. Maestri.

  4. Só não vamos esquecer que a corrupção é uma mão de duas vias (ou uma via de duas mãos, como queiram). Existem os corruptos e os corruptores.
    No nosso País, sempre se fala nos políticos corruptos, nos políticos ladrões, no congresso sem-vergonha, nos 300 picaretas.
    Mas e a corrupção no poder privado ? e a interação corrupta público-privada ? e o empresariado que paga propina para ter as suas obras liberadas ? licensas ambientais, alterações de índices construtivos, apropriação de áreas públicas para exploração privada, e a privatização dos lucros e a estatização dos prejuízos ?
    Se existe traficante de droga é porque existe consumo.
    Se existe corrupto, é porque existe quem corrompa.
    Como eu já tinha dito antes, o Brasil é o país da meia-sola, do tapa buraco, do meia-boca.
    Queremos imitar os europeus, asiáticos e e americanos. Mas tudo é feito “naquela base”.
    “bota mais areia nesse concreto meu filho”,
    Vocês já viram alguma obra pública ser entregue no prazo ?
    Já viram alguma obra pública custar o que foi estipulado ?
    Porque os imóveis de POA são os mais caros do Brasil ? Se será que tem algo a ver com o fato da cesta básica também ser a mais cara do Brasil ?
    Porque a gasolina em POA é mais cara do que na praia ? será que os postos da praia vendem gasolina batizada ? ou será que eles tem uma refinaria de fundo de quintal escondida entre o TEDUT e a RS-30 ?
    Não culpem só os políticos, eles são apenas um elo da corrente.

    • Exato, Marcelo.

      Aliás, corrupção é NECESSARIAMENTE um crime cometido por um agente público e outro privado. O polo passivo e o polo ativo.

      Mas a mídia dá ênfase muito maior ao lado do funcionário público corrompido, como que para desmoralizar seletivamente o Estado.

  5. Associado a pressão interna, começaram pressões externas que impediam a escolha das melhores soluções, tudo era pressionado pelo imediatismo e pela falta de planejamento a médio e longo prazo, !!até o trajeto do dito conduto foi modificado para não prejudicar algumas árvores!!, sem talvez levar em conta que esta modificação poderia criar problemas.

    E hoje a história se repete……………..mas agora os mesmos que encheram o saco pelas “árvores”, usadas muitas vezes como bodes expiatórios de certos grupinhos, são os que reclamam da “má-execução” da obra.

  6. Concordo com o que foi colocado pelo Engenheiro Rogério Maestri, em Santa Maria, uma simples rede de Spliker, teria evitado uns 99% da tragédia…….
    Quanto ao conduto que estourou……Não interessa se a obra foi feita com pressa ou sem pressa….nada justifica o ocorrido….nada como engenheiro…..para a boa engenharia se for feito rápido ou devagar também não interessa, basta construir com competência….dentro das especificações de projeto…..nada de desvios….de recursos e de economia corrupta…..quem fez mal feito e 100% responsável…tem que refazer e indenizar os danos causados a terceiros……Temos que acabar com o jeitinho corrupto…de fazer as coisas…e punir quem transgrediu….e principalmente no bolso….

    • Ângelo, um sprinkler poderia ter corrigido tudo, até um bom extintor, ou uma brigada de incêndio bem treinada, ou a colocação de material conveniente no isolamento, ou isto ou aquilo, no caso do conduto a mesma coisa.
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      São centenas de soluções que poderiam ser feitas a priori evitando maiores danos, porém para que haja uma só das soluções é necessário que se pense em todos os problemas que possam surgir, mas este menu de problemas só podem ser previstos se as pessoas tiverem tempo para refletir.
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      Quando nós nos lançamos numa obra qualquer que ainda não foi executada, não é possível simplesmente se recorrer a experiência, pois como ela ainda não foi executada ainda não há parâmetros dos problemas que possam surgir. E digo mais, outras obras como o conduto, porém de menor porte, já sofreram danos semelhantes, mas na pressa de se resolver não se identifica as causas reais, levando que as falhas se magnifiquem conforme as dimensões das mesmas.
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      Citei em outro comentário de outro post, o problema do famoso aeroporto de Kansai no Japão, que foi uma grande obra de aterro sobre o mar. Foi bem estudado porém não totalmente, não se avaliou corretamente o depósito de finos que existia em abaixo do aterro, resultado: Há até hoje uma subsidência de alguns centímetros por ano que é ciosamente desconversada pelos engenheiros japoneses.

  7. Excelente texto Rogério.

    Isso nos traz a reflexão do futuro caso do metrô da Assis Brasil. A tendência é forte que façam as coisas “de qualquer forma”, pois “estamos atrasados”, “já era pra ter começado”, “que saia logo”, “a região está saturada a décadas”, dentre outras frases que escutamos e lemos de quem quer que o produto final esteja pronto o quanto antes, mas que não imagina as consequências que a pressa e o amadorismo trazem consigo.

    • Alex, chegaste no ponto, temos que dar um basta para que a cada seis meses não surja uma nova tragédia ou um novo acidente que venhamos a nos lamentar e procurar os “culpados”.
      Estes “culpados” mudam de semana a semana, e sempre aparecem caras novas para fazer o que não deveria ser feito.

  8. A PRESSA sempre foi e é a inimiga da PERFEIÇÂO.
    Toda vez que uma grande obra é iniciada em Porto Alegre (as vezes demorando para acabar) levantam-se as reclamações sobre os problemas enfrentados por todos neste período. A imprensa nestas ocasiões põe lenha na fogueira todos os dias….incitando os ânimos.
    Todos nós sabemos como são feitas as coisas neste pais, todos querem levar vantagem, passar por cima de tudo e se dar bem. Eis o resultado. Quando a catastrofe vem, começa a caça às bruxas….ninguém assume sua parte de culpa.
    Li todo o seu texto Rogério Maestri, e concordo com tudo, devo dizer que não sou técnica em muitas areas mas minha genética me deu a aptidão de observar as coisas e ver as consequências. Muita coisa já foi feita nesta cidade atropeladamente e depois vem o arrependimento. Nossos governantes não estão preocupados com o bem estar mas somente com o que lhes pode dar votos e ganho financeiro…..

    • Juliana
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      Poderia ter decido a detalhes técnicos, que tornariam o texto longo e enfadonho, mas como bem percebeste não é o caso de uma ou outra técnica, é o caso de uma concepção de vida que todos estamos aceitando, e isto qualquer pessoa inteligente, engenheira, arquiteta ou bióloga entendem, era este o objetivo do texto.

      • Uma única correção no seu comentário: “Toda vez que uma grande obra é iniciada em Porto Alegre”, errado! No Brasil todo. A solução? Todo o orçamento que “dizem” ser destinado a obra, ser realmente investido na obra. Vide china como exemplo.

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