Duplicação da avenida Moab Caldas exige a retirada de famílias que se formaram no local
Do lado de dentro do balcão, entre o refrigerador com carnes e as prateleiras de alimentos não perecíveis, Gabriel Hendez, 21 anos, assiste a dias de incerteza na Vila Tronco, comunidade onde escolheu estabelecer seu armazém, há pouco mais de dois anos. O comerciante é uma das pessoas que deverão ser removidas para abrir espaço à duplicação da avenida que deu nome para a localidade, antes da via ser rebatizada como Moab Caldas.
Enquanto as obras ocorrem em um dos trechos demarcados, no outro lado, perto do Postão da Vila Cruzeiro, se pode ver alguns lotes abandonados, cujas paredes foram derrubadas e só restos de alvenaria indicam que ali houve uma construção. A maior parte dos moradores parece tentar prosseguir a rotina, mesmo que permeada por dúvidas. Para Gabriel, a exigência de mudança representa o desafio de recomeçar. “Teremos de sair e isso é certo. Então, minha ideia é encontrar logo um bom lugar para reabrir meu negócio.”
Contudo, a naturalidade com a qual o comerciante encara a certeza da transição é proporcional ao temor de que ela seja muito difícil. “O que mais assusta a gente é o aluguel social. Entendemos a necessidade de liberar a área. O problema é que esse valor não garante um bom lugar para morar. Pior se for para abrir negócio.” O valor pago pela prefeitura é de R$ 500,00. A esperança do jovem é receber logo a indenização de R$ 52.340,00.
Só que nem todos compartilham desse otimismo. Rosaldina Terezinha Alves, 50, diz que sofre todos os dias quando lembra que terá de sair da casa onde viveu os últimos 32 anos, desde que trocou Caçapava do Sul pela Capital. “Não queria ir embora de jeito nenhum. Chegamos aqui quando não havia nada. O bairro mudou, cresceu, deixou de ser bagunçado e violento como foi no começo. Hoje tem comércio, escola e posto de saúde perto da gente. Criei três filhos e agora vejo meus netinhos crescendo aqui. Para mim, não é justo”, lamenta.
A trabalhadora doméstica conta que, diante da imposição, teve que se esforçar muito para encontrar um possível novo lar, para onde deverá se mudar com a família daqui a algumas semanas. “Achar casa de R$ 52 mil é impossível. Só teremos um lugar para viver porque juntamos as indenizações, eu e minha filha caçula”, explica Rosaldina.
A nova morada, no bairro Restinga, está avaliada em R$ 85 mil, segundo ela. Para a antiga moradora da Tronco, a tarefa mais dura será a de se adaptar ao deslocamento em ônibus, que já era complicado dali até a zona Norte, onde trabalha. “Terei que atravessar a cidade todos os dias. Sei que vai custar para a gente se acostumar”, diz.
Menos definida ainda é a condição da família de Márcia Domingues, 28 anos, pois a casa onde moram oito pessoas estaria no traçado de uma das ligações da Moab Caldas duplicada com outras vias da região. Por conta da indefinição, foi a obra da família dela que precisou ser interrompida. “A gente ia construir uma laje, para aumentar o espaço e acomodar melhor meu pai e o restante da família”, conta.
Prefeitura destaca mudanças sociais
Para a prefeitura da Capital, as obras de duplicação da avenida Tronco já proporcionam grandes mudanças sociais na região. A via — com 5,6 quilômetros de extensão — percorre seis comunidades da zona Sul: Silva Paes, Comerciários, Cristal, Cruzeiro do Sul, Gaston Mazeron e Maria. Na conta da prefeitura, 1.525 famílias serão beneficiadas com novas moradias e infraestrutura mais completa.
O projeto contempla duas pistas, uma em cada sentido, faixa preferencial de ônibus, ciclovia, incluindo rótulas e intersecções, além de mobiliário urbano. O investimento total é de R$ 156 milhões. A prefeitura aplicará R$ 33 milhões na obra, incluindo as estações de ônibus.
Para que as famílias, que assim desejarem, sejam reassentadas próximas dos locais onde viviam, a prefeitura adquiriu 16 áreas na Vila Cruzeiro do Sul e nos bairros Glória e Cristal, onde serão construídas unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida. O projeto, que está em fase de aprovação na Caixa Econômica Federal, prevê 800 unidades habitacionais.
Moradores têm duas opções
Os moradores que serão reassentados puderam escolher entre uma nova casa ou esperar pela construção de moradias nas áreas próximas à Tronco, optando pelo aluguel social. O bônus de R$ 52.340 é pago pela prefeitura, que também custeia as despesas de impostos e registros. Das 1.525 famílias cadastradas, 350 receberam o bônus-moradia. O aluguel social destina R$ 500 mensais para a locação.
Ansiedade e medo da mudança
A promotora de vendas Márcia Domingues não consegue imaginar a vida fora da Vila Tronco. Perto de casa, tem escola para os filhos e creche para a caçula Giovanna, 4 anos. No turno inverso à escola, Denner, 12, e Mariana, 10, frequentam projetos, onde praticam esportes e têm aulas de artes. “Cresci nesse bairro. A ansiedade pela incerteza é algo muito triste. O que vai ser da gente?”, questiona.
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Concordo com o lamento das pessoas, mas elas construíram suas casas e se estabeleceram sobre terrenos que não lhes pertenciam.
A base de uma sociedade justa é de que a regra seja igual para todos. Isso não significa que devamos largar os necessitados à própria sorte. A questão é que devemos ajudar somente os necessitados e devemos deixar claro para todos que estamos ajudando por uma questão humanitária.
Dito isso, acho que não há nada diferente que o poder público possa fazer agora, exceto indenizar as pessoas com um valor minimamente razoável, mais a título do impacto que a mudança terá nas suas vidas do que pela propriedade (ilegal) que perdem.
O real erro, que não pode ser consertado agora, foi o descaso do governo com a situação de milhões de pessoas sem moradia durante décadas. Temos um deficit impossível de corrigir e a única saída é dar legitimidade para o que não tem mais concerto.
Dito tudo isso, penso que o governo devia tratar a situação com mais proatividade. Por exemplo, acho que o modelo de tentar dar cara de cidade pra favela limitado. Talvez o governo devesse investir mais nisto, reconstruindo as favelas e vilas no próprio local ou em local próximo, mas com planejamento e habitações completas.
Não sei por que as transferências não são feitas na região e por que não verticalizam as habitações populares. Iria até inibir os famosos puxadinhos e agregações que fazem naquelas casas pré-fabricadas que entregam para famílias realocadas.
Mudar as pessoas de região tem um problema pois desfaz as relações econômicas que existem na favela, como o cado do comerciante mencionado acima.
Mas enfim, concordo com teu comentário no geral.