Carro: o cigarro do século 21?

Até pouco tempo incontestável, o automóvel já não ocupa mais o mesmo lugar no imaginário das pessoas

Pesquisas mostram que jovens já não possuem o mesm Pesquisas mostram que jovens já não desejam ter carros créditos: Valter Campanato/ABr

Pesquisas mostram que jovens já não desejam ter carros. Créditos: Valter Campanato/ABr

Muita gente talvez não concorde. Pode ser também que exista uma dose de exagero na afirmação. Ou será que não? O certo é que temos observado um inédito questionamento ao império do automóvel.

Soberano ao longo de muitos anos e cercado de toda admiração. Assim foi a trajetória do carro. Agora muitas vozes se levantam contra ele como um grande problema, a perturbar a vida de todos. Aliás, não parece estar ocorrendo um fenômeno semelhante ao ocorrido com o cigarro no século passado? Portanto, guardadas as devidas proporções, será realmente loucura pensar que não assistiremos no século 21 com os veículos de transporte individual o mesmo que ocorreu no passado com o cigarro?

No passado, fumar representava um símbolo de status, charme e elegância. Durante um bom período o consumo de cigarros foi objeto do desejo de inúmeras gerações. Os muitos jovens até arriscavam levar surras paternas se fossem pegos no ato. Celebrizado, entre outros, por Clark Gable, Cary Grant, Rita Hayworth, James Dean e Clint Eastwood, os ícones do cinema entre os anos 40 e 60. Todo mundo que se prezava, naquela época, fumava. E o que aconteceu com o passar do tempo e os mais do que comprovados problemas causados pelo cigarro? Quase a demonização do ato de fumar!

Para as novas gerações fica até difícil explicar que, na maior parte do século 20, fumar em qualquer lugar era a coisa mais comum do mundo. Em bares, restaurantes e até mesmo dentro de claustrofóbicos aviões, os fumantes viviam o auge de seu vício com toda a liberdade. Hoje todos nós sabemos sobre os males causados pelo fumo, inclusive para aqueles expostos a fumaça de cigarros alheios, o chamado fumante involuntário. Cigarro mata e ponto final!

A publicidade ainda tinha o desplante de vincular o fumo à virilidade e à prática de atividades esportivas. Uma barbaridade digna de criminosos!! Não foi por outra razão que, posteriormente, a propaganda de cigarros foi banida dos meios de comunicação.

Bem, não dá para afirmar o mesmo em relação aos carros, ou será que é possível fazer essa relação? Dados divulgados pela ONG Saúde e Sustentabilidade em parceria com vários estudiosos, entre eles, o médico e pesquisador da USP Paulo Saldiva, mostram que a poluição no estado de São Paulo foi responsável pela morte de quase 100 mil pessoas em seis anos. Só em 2011, a pesquisa revelou que o ar contaminado, boa parte dele vindo de escapamentos de veículos, contribuiu para a morte de mais de 17 mil e 400 pessoas. Esse trabalho é o primeiro de abrangência estadual que fez uma relação direta entre índices de poluição e número de mortes. Portanto, temos aí uma relação carro e saúde semelhante como no passado foi feito entre cigarro e saúde.

Outro interessante ponto de convergência das trajetórias do cigarro e do automóvel está localizado no exercício de sua prática. Como disse antes, fumar era algo exercido com total liberdade até começarem a surgir diversas leis obrigando a exercer o hábito a lugares pré-determinados e o veto total a outros. Hoje em dia, o pobre fumante se vê quase num ato clandestino e de banimento social para poder dar algumas boas tragadas. Isso em prol da saúde coletiva.

Em relação aos carros algo parecido está em processo acelerado de implantação. Recentemente a prefeitura de São Paulo definiu que a velocidade máxima na cidade passou de 60 para 40 quilômetros por hora. A ação visa reduzir as mortes de pedestres e ciclistas vitimados entre outras razões pelo excesso de velocidade. Se somarmos essa a outras medidas em vigor como o rodízio de veículos, a proibição de circular em faixas de ônibus e as restrições para locais de estacionamento, teremos aí mais exemplos de coerção ao livre uso do carro, até pouco tempo praticamente “dono” das ruas e avenidas das cidades contra qualquer planejamento minimamente civilizado de mobilidade urbana que buscasse uma convivência pacífica com outros usuários de transporte público, pedestres e ciclistas.

Sonho da juventude. Quem, como eu, já entrou na casa dos 50 anos de idade sabe bem o que um garoto ou garota de minha época sonhava em ter os 18 anos. Até outras gerações posteriores enxergavam e ainda enxergam no fato de ter um carro o alcance definitivo do mundo adulto e da independência. Isso, claro, ainda não mudou, mas parece ir por um caminho bem diferente.

Uma tendência observada em pesquisas realizadas na Inglaterra e nos Estados Unidos é que os jovens desses países já não possuem o mesmo desejo por veículos particulares. Eles acham mais interessante utilizar transporte público como ônibus e metrô e até mesmo andar de bicicleta. As pesquisas mostram que eles não estão dispostos a gastar boa parte de seus recursos na manutenção de um automóvel. E, além de mais barato, também consideram mais saudável o uso cotidiano de outras modalidades de transporte. Isso significa que a posse do carro próprio está perdendo o encanto? Com o cigarro não se passou algo bastante parecido?

Autor: Reinaldo Canto / Fonte: Carta Capital
Jornalista especializado em sustentabilidade e consumo consciente, é professor de Gestão Ambiental

Portal Mobilize Brasil



Categorias:Meios de Transporte / Trânsito

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13 respostas

  1. Desinformação eu também poderia públicar. Achismo, vies pessoal ou ideológico, etc. Tá cheio disto por aí. Blogs que servem para publicar propaganda como se fosse notícia, infelizmente também tem muitos.

    De concreto temos apenas o fato de que o número de passageiros em transporte coletivo caiu 10% em Porto Alegre e que nacionalmente as vendas de automóveis duplicaram nos últimos 10 anos.

    As pessoas querem ir onde precisarem com o mínimo de conforto. No Brasil, só de carro.

  2. Baita matéria! Eu acredito que o encanto do carro acabou.
    .
    Eu não quero ter carro! Prefiro o transporte público, apesar de não funcionar no brasil mas tenho fé que iremos evoluir! #chegadecarro

  3. Apenas no Brasil onde temos os carros mais caros do mundo (agora perdemos o posto para Cuba, onde um 207 custa 200 mil), apenas aqui.

    Em qualquer lugar do mundo, é um objeto para rodar 100 mil quilometros e mandar pro ferro velho onde “reciclam” as peças que estão em bom estado.

    Nos Eua e Europa, carros que aqui são considerados da “elite”, são carros populares, Civic, Jetta Corolla, custam uma mixaria.

    A diferença é que existe os apaixondos, os que usam o carro por que não tem escolha, e os que deixam na garagem para rodar nos finais de semanas.

    Os que querem status, compram Ferraris, Rolls Royce, Bugatti, entre outros, e muitas vezes nem pra isso, apenas pela paixão pelo carro.

    Na europa é comum ter um ou dois carros, existem carros enormes com pequenos motores para usarem no dia a dia, e esse mesmo carro com um bloco V8 para poder ir viajar, mas a preferencia são pelos compactos mesmo.

    O que difere eles de nós, é que eles podem tranquilamente sair de casa, andar uma ou duas quadras e pegar um ônibus confortável, ou um metrô, eles tem opção, nós não.

    Enquanto o Brasil incentiva as pessoas a manterem carros velhos, os mais poluidores com o IPVA mais barato com o passar do tempo, no resto do mundo é o contrario.

    Mas claro, aqui tudo é diferente.

    haha

  4. Demonizar o carro por causa da poluição? E se os carros fossem totalmente elétricos?
    Enfim, carro não é solução de mobilidade urbana diária, é só ver a quantidade de carros (as vezes SUV’s de 7 lugares) com apenas uma pessoa dentro!

    É bater na mesma tecla, mas para fazer as pessoas usarem o transporte público, devem melhorá-lo, e muito no caso do Brasil. E se a justificativa para acabar com o carro é a poluição, o transporte público deve ser elétrico também (incluo o aeromovel ai pelo fato de o ventilador usar energia elétrica).

    Porém, as pessoas não podem ser reféns do transporte público. O automóvel não pode ser extinto e demonizado. Deve ser usado como o próprio nome já diz: Veículo de passeio. Me digam, em um futuro onde o automóvel está extinto, como faço para visitar meus parentes e amigos que moram em cidades como Serafina Correa, Tucunduv, São domingos e etc? Vou ter que pegar o único ônibus diário pra la, ou para a maior cidade da região mais próxima, e chegando lá, eu que me vire? Ou então uma cena típica, ceias de Natal, páscoa, festas em geral, que a família se reúne e cada um leva um prato, imaginem que maravilha levar 3 crianças, uma garrafa de champagne e um peru no trem ou no ônibus.

    O automóvel é necessário por questão de saúde pública também. Quero ver como hamburgo vai fazer quando extinguir totalmente o carro, espero nenhum hamburguense precise chamar uma ambulância, que nunca precisam chamar policiais com suas viaturas, ou que nunca ocorram incêndios e catástrofes nas suas casas, para não precisarem chamar um caminhão de bombeiros, fora as indenizações e seguro desemprego que terão de pagar à representantes comerciais que usam veículo próprio para trabalhar e tem que ir de um lado à outro da cidade, e aos taxistas.

    • Carro elétrico é uma boa melhora sim, mas tem a questão dele jogar a poluição local para longe das cidades, nas usinas. Nossa matriz energética é boa, tem bastante geração hidreletrica, mas as termo tem aumentado um bocado.

      Mas daí se tu pega um país como os EUA, que tem matriz bem mais suja, frota gigante e cultura do automóvel forte…

    • Demonizar o carro por causa da poluição? E se os carros fossem totalmente elétricos?

      Poluição é UMA das externalidades dos carros particulares. Converter a frota pra elétrico realmente haveria de diminuir sim ESTE problema especificamente, mas nada faria para atacar as outras externalidades, e.g., congestionamento, acidentes, stress, alienação.

      Porém, as pessoas não podem ser reféns do transporte público. O automóvel não pode ser extinto e demonizado. Deve ser usado como o próprio nome já diz: Veículo de passeio. Me digam, em um futuro onde o automóvel está extinto, como faço para visitar meus parentes e amigos que moram em cidades como Serafina Correa, Tucunduv, São domingos e etc? Vou ter que pegar o único ônibus diário pra la, ou para a maior cidade da região mais próxima, e chegando lá, eu que me vire? Ou então uma cena típica, ceias de Natal, páscoa, festas em geral, que a família se reúne e cada um leva um prato, imaginem que maravilha levar 3 crianças, uma garrafa de champagne e um peru no trem ou no ônibus.

      Ninguém disse que aluguel de carro deixaria de existir, não ao ponto de nos tornarmos reféns de serviços de transporte público. Na verdade, em uma sociedade com menos pessoas tendo carros próprios, trabalhar com aluguel de carros seria um bom negócio. Não que isso seja necessariamente a solução: como o Adriel disse em outro comentário, e como eu já venho dizendo há muito tempo por aqui, o que é ruim pra cidade não é as pessoas TEREM o carro, e sim as pessoas USAREM o carro diariamente. A solução é passar a cobrar mais das pessoas pelo uso do auto (i.e. pedágio), e paralelamente reduzir os custos na aquisição.

      E claro, melhorias o transporte público interurbano também precisam que acontecer, quase tanto como as melhorias intra-urbanas precisam. O serviço interurbano é uma merda indiscutível hoje, mas pode melhorar muito.

      Esse exemplo do Natal, tipo nossa, nem dá pra responder. Tipo, tu quer justificar toda uma matriz de mobilidade completamente ineficiente e doente pelo advento de uma ceia de natal em família?

      O automóvel é necessário por questão de saúde pública também. Quero ver como hamburgo vai fazer quando extinguir totalmente o carro, espero nenhum hamburguense precise chamar uma ambulância, que nunca precisam chamar policiais com suas viaturas, ou que nunca ocorram incêndios e catástrofes nas suas casas, para não precisarem chamar um caminhão de bombeiros, fora as indenizações e seguro desemprego que terão de pagar à representantes comerciais que usam veículo próprio para trabalhar e tem que ir de um lado à outro da cidade, e aos taxistas.

      Se você fosse minimamente informado, saberia que isso é uma bobagem sem tamanho, especialmente se falando em termos de Alemanha. Mesmo com todas as suas áreas peatonais pacificadas, os alemães são excelentes em preservar a viabilidade do acesso de serviços de segurança. Porra, TODO prédio que eu vi lá tinha um spot designado para o caminhão de bombeiro estacionar em emergência. É EVIDENTE que os alemães, racionais como são, jamais ficariam sem isso. Então sim, a Hamburgo sem carros vai continuar tendo ambulâncias, viaturas e outros veículos essenciais circulando. O foco da transformação da cidade é o veículo particular.

      E claro, pra não falar da bobagem sobre indenização aos representantes comerciais que supostamente perderiam o emprego com a medida.

      • 1º Em que ponto me viu defender o carro para ser usado diariamente? Acredito que acompanhe o blog e pode ver que defendo o transporte público como solução diária, tanto que o uso todos os dias.

        2º Usei como exemplo o Natal, mas existem várias outras festas desse tipo, como aniversários, churrascos, confraternizações em geral, durante o ano inteiro. E também citei como dificuldades para se usar o transporte público, famílias com mais de um filho, como se não soubesse como são crianças, ainda mais hoje em dia que os pais estão cada vez mais bundas-moles e não sabem controlar os filhos.

        3º Me perdoe, nunca fui para a Alemanha, e realmente não sabia como Hamburgo faria para manter serviços essenciais.

        http://autoentusiastas.blogspot.com.br/2014/01/uma-certeza-absoluta_19.html

        • 1) Ok, acho que te interpretei errado

          2) Para eventos “fora-da-curva”, vai continuar havendo quem tenha carro, e vai continuar existindo carro de aluguel, e vai continuar existindo táxi. E levar os filhos no transporte público não é nada de outro mundo. Muito andei de ônibus com meus pais quando era piá, e muito vi pais e filhos em transporte público mundo afora. Parece-me que surgiu recentemente no imaginário brasileiro a noção que quem tem filho precisa de carro, e precisa de carro grande.

          3) Usei alemanha meio como exemplo, mas me parece bastante óbvio que cidade alguma do mundo haveria de querer bloquear serviços essenciais. Nem aqui na tosca Porto Alegre bloqueamos ambulâncias e afins nas áreas peatonais.

          4) Li o texto meio na diagonal, mas me parece que a ideia é que o carro é um “máximo” para o que se propõe, e que por isso vai existir praticamente pra sempre. Faz sentido, mas tenho minhas dúvidas. A primeira é que eu não vi nenhuma menção no texto às cidades e países que venceram a cultura do carro, e segundo, o período de observação é simplesmente muito curto, é essencialmente um “bias for modernity”. Quem vai saber se não vai ter um novo meio de transporte daqui a 50 anos que vai destronar o carro? O carro é uma ferramenta; ferramentas evoluem.

        • Então leia o texto inteiramente, por favor. Ele cita que o carro só será substituído quando houver um substituto à altura, que consiga aliar todas as vantagens dele e superá-lo. E ainda assim, nunca será extinto, ou mesmo visto como “cigarro”. Acho interessante que ele cita que mesmo que deixe de ser usado como transporte principal, ele ainda vai estar na garagem pois muitos colecionam, utilizam como esporte (em autódromos, que fique claro), restauram etc.

          E ele não citou nenhuma cidade que “venceu” a cultura do carro, pois nenhuma cidade moderna (que eu saiba) extinguiu o carro. Bons exemplos são Nova York (citada no texto) e Amsterdã, onde massivamente utilizam o transporte coletivo e a bike, mas ainda é possível utilizar o carro particular. E lá, sabiamente, é utilizado com parcimônia.

  5. 1- Carro ainda é objeto de desejo no Brasil justamente por ser absurdamente caro. Na europa quando eu morei lá tu era apenas mais um, então não havia este desespero para ter carro.
    2- Onde o sistema de transporte público funciona e possui qualidade, me parece lógico que as pessoas tenham menos interesse em ter carro. Mas também me parece infantilidade este pensamento que alguns tem que querem condenar os carros enquanto o sistema de transporte público é uma M.
    3- O carro era para ser barato (já que caro carro só faz eles ficarem menos seguros e ter materiais de pior qualidade), o que podia aumentar é o custo de utilização: estacionamentos pagos, pedágios, etc. Hoje ocorre praticamente o contrário, incentivando as pessoas a utilizarem carros velhos (que não pagam IPVA) e utilizarem menos os transporte público.
    4- Carro todo mundo deveria ter, mas apenas para situações onde o transporte público não fosse adequado, por isto a importância de melhorar a qualidade deste último.

  6. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK……………..

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