Delimitação da zona rural de Porto Alegre causa polêmica e discórdia

Jaqueline Silveira

Projeto delimita novamente área voltada à atividade primáriaFoto: Divulgação/PMPA

Projeto delimita novamente área voltada à atividade primáriaFoto: Divulgação/PMPA

O restabelecimento da zona rural de Porto Alegre promete um debate quente nesta quarta-feira (10), às 19h, na Câmara de Vereadores, quando ocorrerá a audiência pública para discutir o projeto de autoria do Executivo. Desde 1999, com a entrada em vigor do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), a Capital não tem área rural.

Pela proposta encaminhada pela prefeitura à Câmara, a zona rural contemplará cerca de quatro mil hectares da região Extremo-Sul voltados à agricultura, pecuária e ao extrativismo. A extensão corresponde a 8,28% da área total do município de Porto Alegre e abrangerá, parcialmente, as localidades do Lami (a praia não está contemplada), Canta Galo, Lageado, São Caetano, Belém Novo e Extrema. A limitação do meio rural foi definido por um Grupo de Trabalho (GT) criado pela prefeitura com a participação de secretarias municipais, da Câmara e de representantes do Sindicato Rural.

Presidente do Sindicato Rural, Cléber Quadros Vieira diz que o retorno do meio rural é uma reivindicação da entidade e dos produtores, que, segundo o dirigente, encontram dificuldades para ter acesso a financiamentos por oficialmente pertencerem à zona urbana. “Esse é um problema que está acontecendo na Zona Sul. A zona rural existe de fato, mas não existe de direito”, explica Vieira. Hoje,  Porto Alegre ocupa a 10ª posição entre as cidades do Estado que fornecem produtos a Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa). Hortaliças, pêssegos, melões, uvas e ameixas  integram a produção da zona rural, porém o cultivo da fruticultura não está no Extremo-Sul. A maioria dos agricultores está isento do Imposto Territorial Urbano (IPTU), chamado de rururbano, desde que comprovem que cultivam em pequena propriedade familiar.

A limitação da zona rural deve render muita polêmica, já que os ambientalistas, especialmente do Projeto Cinturão Verde de Porto Alegre, são contra o projeto por não contemplar as áreas de preservação, além de a proposta, de acordo com eles, não contribuir para frear a urbanização da Zona Sul, onde já foram erguidos loteamentos populares e condomínios de luxo e há projeções de novas construções. O grupo lançou, inclusive, um documentário (assista abaixo) de 28 minutos na noite de segunda-feira (8) . No vídeo, os representantes do coletivo mostram o desmatamento de algumas áreas, a preservação de outras, além do avanço da urbanização. Também há depoimentos de produtores ecológicos e de representantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Pesquisadora da UFRGS, Andrea Loguercio comenta que a  Região Sul “já perdeu alguma característica” e “vive uma expansão imobiliária”, além de sofrer com o desmatamento. Boa parte dos problemas, avalia ela no documentário, é devido à falta de zoneamento ambiental para estabelecer “o que o que pode e o que não pode”. A pesquisadora critica, ainda, a flexibilidade do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental  para permitir construções. “O Plano Diretor traz uma vertente ambiental, mas que, a todo momento, por um projeto de lei, por uma costura política, por uma costura imobiliária, ele pode ser modificado”, argumenta Andrea.

“Zona rural já nasce retalhada”

“As nascentes ficaram todas de fora”, argumenta o ambientalista Felipe Viana, do Instituto Econsciência, uma das entidades que integra o coletivo Cinturão Verde, sobre a área delimitada no projeto. Membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente, ele afirma que a sociedade civil não foi chamada para integrar o Grupo de Trabalho depois de sua reativação, em agosto de 2013. O GT foi instituído em 2012 com a participação das entidades, mas o trabalho foi suspenso devido ao período eleitoral. “O meio ambiente está todo fora (do projeto). O resto está suscetível a virar condomínio”, alerta Viana, que acompanha o assunto há 15 anos. “Para mim, o grande equívoco é que a zona rural já nasce retalhada”, avalia ele, acrescentando que o adequado seria a regularização das moradias já existentes na área e oferecer infraestrutura.

Porto Alegre tem a segunda maior área rural do país – só perde para Palmas, capital de Tocantins. Parte dela é de Mata Atlântica e cercada por 44 morros. A definição da zona rural proposta no projeto, conforme o presidente do Sindicato Rural, foi a viável. “Foi a possível, é melhor ter uma área preservada do que não ter nada, mas acho que é muito pouco. A gente tem o pulmão na Zona Sul”, argumenta Vieira. Ela afirma que os morros não foram contemplados porque já estão preservados em legislação. O presidente acredita que com esses 8,28% de zona rural assegurados será possível conter a “especulação mobiliária”, já que como área urbana não há como proibir as construções de loteamentos e condomínios.

Arquiteta da Supervisão de Desenvolvimento Urbano da Secretaria Municipal de Urbanismo, Andréa Oberrather diz que foi delimitada como zona rural a área que já está incluída no Plano Diretor como de produção primária, além de ser uma decisão do “gestor (governo)” quanto à extensão contemplada no projeto. “É essencialmente o Extremo-Sul”, acrescenta ela. Em relação às áreas de proteção ambiental, a arquiteta ressalta que “há dispositivos” no próprio Plano Diretor que protegem “os bens naturais” ao estabelecer restrições nesses locais.

Na audiência desta quarta-feira, os ambientalistas tentarão convencer a prefeitura a ampliar a zona rural para garantir uma maior preservação.

SUL 21



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16 respostas

  1. Aqui é acaipirado nao o interior, então viva os alphavilles da vida e o desenvolvimento da cidade!

  2. Acho importante que dificultem construções nessas áreas mais isoladas e incentivem empreendimentos imobiliários em locais onde se tem mais acessos a serviços. Incentivar as pessoas morarem próximas aos postos de emprego, escolas e espaços de lazer melhora o trânsito e facilita o uso de outros meios alternativos de locomoção como a bicicleta. Em bairros como Cidade Baixa e Menino Deus é possível viver tranquilamente sem carro.

    • O Bairro Navegantes está abandonado! Dá tristeza de ver.

      • Está abandonado, mas já tem uma infraestrutura viária, de esgoto, de rede elétrica, e isso provavelmente facilitaria a reocupação, com um perfil comercial e de serviços. É atribuição do poder público tornar essa região mais convidativa para empreendimentos, em vez de permitir uma ocupação questionável da zona sul.

    • Exato, tem que deixar adensar mais no grande centro e facilitar a construção no 4o distrito.

    • Pois é…mas perto e longe são conceitos relativos. Não esperem que alguém vá fazer prédios para a classe média baixa no Menino Deus. E se as construtoras não puderem construir na zona sul, o pessoal vai ter que morar em Gravataí e Viamão e se sujeitar a ficar quase quatro horas dentro de um ônibus todo dia.

      • Se não é possível construir pra classe média baixa no Menino Deus, que se construa na Cavalhada ou Tristeza. Mas o que não pode querer encher de construção na Hípica ou depois. Naquela zona está saindo construção pra classe média alta também, com conjunto de casas com uma baixa prestação de serviços em volta devido a baixa densidade.

  3. Na área rural se paga o ITR – Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural. Que é muito mais barato que o IPTU.

    Durante a última década a Zona Sul foi alvo de loteamentos do “Minha Casa, Minha Vida”, devido à abundância de terrenos mais baratos, e condomínios de luxo (vide adesivos “Zona Sul É Tudo de Bom”). Apesar disso, a infraestrutura urbana pouco acompanhou a corrida pelos terrenos.
    Por outro lado, temos que Porto Alegre é privilegiada por possuir (ter possuído) grandes áreas verdes (remanescentes da Mata Atlântica, que como disse o amigo ali de cima, é mais ameaçada que a Amazônia) que potencialmente poderiam contrabalançar do ponto de visto ecológico o impacto do meio urbano. Junto à flora, tem a fauna.

    Parece meio contraditório dizer que zona rural irá preservar área verde, mas a dinâmica da zona rural dentro de uma região metropolitana é muito diferente da zona rural dentro da RMPA. Enquanto uma zona rural qualquer poderia ser propícia à monocultura, a zona rural dentro da RMPA tem como característica pequenas propriedades, que garantem uma diversidade de cultivos. Além disso, hoje em dia, a expansão que mais ameaça o local é a expansão urbana, não dos cultivos.
    Junto à proposta de transformação da área em zona rural, foi delimitada uma área de proteção ambiental no Morro São Pedro. Infelizmente, a área delimitada não cobre sequer metade do morro, embora todo ele seja passível de proteção. Sendo ele uma ilha numa área já impactada.

  4. Áreas para agricultura em Porto Alegre é, provavelmente, a medida mais ecológica que poderia existir, pois reduziria consideravelmente o consumo de combustível para transporte e energia para refrigeração dos alimentos do produtor até o consumidor. É claro que se uma área é considerada “rural” a prefeitura não pode cobrar IPTU, é por isso que essa cambada está contra.

    • Não meu caro. A prefeitura pode e já cobra IPTU. Acontece é que são contra a consolidação de uma área rural pois recebem grana de construtoras em suas campanhas, construtoras essas que podem lucrar muito com a construção de condomínios nessas áreas. E não somente condomínios de alto luxo, mas também condomínios que contemplam pessoas na renda do “minha casa minha vida”. A situação é alarmante e muita gente não sabe.

  5. “Ambientalistas”, sempre eles, por que nunca escutamos nada de ambientalistas na amazonia? Será que todos migraram pro sul????? Gente chata!!!

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