A Rua da Praia, por Adeli Sell

Rua da Praia em Julho/2017. Foto: Gilberto Simon – Porto Imagem

A vontade de gritar era grande. Mas fiquei com tudo engasgado. Explico o porquê. Almocei no Chalé, uma relíquia que ajudamos a salvar e ampliar. Dali fui ver o “novo Guaspari”. Ali comprei as primeiras roupas quando cheguei em Porto Alegre, em 1972.

Fiquei imaginando o professor, artista e arquiteto Fernando Corona subindo ao sétimo andar para um café, olhar o Guaíba e lembrar que no início dos anos 30 ele botava de pé o primeiro prédio modernista da cidade. Lembrei da arquiteta Alessanda Bonotto Paim, que tinha proposição ousada para o local. Ficou legal, mas esperava mais.

Dali cruzei a Galeria Chaves para continuar minhas lembranças e sentir um pouco mais das obras do Corona, que da Espanha veio nos ensinar arte. Quando botei os pés na Rua da Praia, já na frente da antiga Livraria e Editora Globo, me bateu a revolta, daquelas que reviram o estômago, aceleram o coração e dão dor na cabeça. Não tinha mais rua, só um mercado de ilegalidades.

Rua da Praia, em Julho/2017. Foto: Gilberto Simon – Porto Imagem

O que fizeram ou deixaram fazer com a Rua da Praia de Nilo Ruschel? Estou relendo o livro dele para não “baquear” de vez. Lembrei das várias cobranças que recebi nesta curta caminhada por parte das pessoas, reclamando do desdém com o nosso Centro, com a Rua da Praia, com a cidade.

Só não gritei porque achariam que enlouqueci de vez e também para não ser agredido por algum “pirateiro” como já fora no passado. Me pergunto. Onde estão as pessoas a caminhar? Onde estão os grupos a papear? Claro que não mais encontraria o Osvaldo Vergara, Moisés Velhinho, Osvaldo Aranha, o Athos Damasceno, o Spalding, mas queria encontrar ali o Benedito Tadeu Cesar, o Jorge Barcellos, o Rui Gonçalves, a Jaqueline Moll, a Liana Borges, a Margarete Moraes, o professor Fischer, o Ricardo Guliani, o Moisés Mendes, entre outros tantos. Juro que nesta semana chamo o Ayres Cerutti para a gente tratar do nosso livro sobre o Centro Histórico, no Café da Renner.

Pensei nos cafés do passado e me meti na Acylino de Carvalho, para tomar um no Café do Mercado, já que o Rian sumiu ali do Edifício Santa Cruz, onde tem uma das nove farmácias na mesma quadra, as quais expulsaram a diversidade e o encanto dali.

A Rua da Praia mais parece um ossário exposto de um corpo colorido do passado. E isso que já se chamou Rua da Graça entre a Alfândega e a Santa Casa. Hoje, uma desgraça. Tudo o que vi foi chocante com o meu passado recente, quando fui titular da pasta de Indústria e Comércio há pouco mais de uma década atrás, quando fiz a Rua ser Rua e as calçadas, calçadas.

Rua da Praia em 1976.

E será mais insustentável a continuar com a pasmaceira, desdém e inoperância dos governantes atuais. Mas como Henry David Thoreau que se negou a pagar impostos há quase 200 anos atrás, com a Desobediência Civil, eu continuarei de mangas arregaçadas com as armas da boa luta democrática, do diálogo com pressão, com minhas articulações para não sucumbir, sendo um rebelde com causa para não passar para a História como omisso.

Pois lhes direi: se eu fosse prefeito, resgataria a Rua da Praia para as pessoas, para uma Porto Alegre novamente inclusiva.

Adeli Sell é vereador

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Além deste artigo, escrito pelo Vereador Adeli Sell, ontem (04/09/17) o jornalista David Coimbra, de ZH, escreveu sobre a Rua da Praia também, assim como sobre o Viaduto Otávio Rocha (da Borges de Medeiros).

As críticas são basicamente contra a gestão do ex-prefeito José Fortunati, mas na verdade, contra todas as últimas administrações da cidade que até hoje não fizeram nada em relação a Rua da Praia.

Aqui o link da matéria do David Coimbra:

http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/david-coimbra/noticia/2017/09/a-avenida-da-muquiranagem-9888314.html

(é necessário ser assinante para ver, o blog não pode publicar. A ZH nos proíbe de publicar qualquer matéria do Jornal)

O ex-prefeito já respondeu a ele, via redes sociais:

Como resposta à coluna de David Coimbra na ZH de hoje cobrando a situação da Rua da Praia encaminhei o texto abaixo:

REVITALIZAÇÃO DA RUA DA PRAIA

Prezado David,
Sobre a tua pertinente coluna que destaca a “vergonha e tristeza” que sentistes ao visitar a nossa querida Rua da Praia desejo fazer algumas considerações como ex-prefeito da cidade:
1) Concordo plenamente com as tuas observações em relação ao estado em que se encontra a Rua da Praia. Ao longo dos últimos anos realizamos várias intervenções com diversas Secretarias para melhorar a situação e chegamos à conclusão de que somente uma obra profunda mudaria este quadro;
2) Reunimos as entidades empresariais e de moradores do entorno para discutir uma solução e chegamos ao consenso da necessidade de profundas alterações na Rua da Praia;
3) Através da SMOV, na época coordenada pelo Secretário Mauro Zacher, foi elaborado um projeto de profunda revitalização daquele precioso espaço urbano. Demoramos para chegar a um consenso sobre o melhor projeto pois o Grupo de Trabalho contou com a colaboração de 9 Secretarias e de várias entidades da Sociedade Civil;
4) Depois disso fomos em busca de recursos financeiros para a realização da obra. Após muita negociação com o Governo Federal e contando com o apoio do Senado Federal conseguimos um empréstimo em condições muito vantajosas de R$ 10 milhões junto à CAF – Corporação Andina de Fomento, sem a necessidade de qualquer contrapartida da Prefeitura. Estes recursos, segundo o contrato, estão disponibilizados para a Prefeitura a partir deste ano de 2017;
5) O projeto prevê a substituição total de toda a infraestrutura existente no local, como fios de energia elétrica, cabos das operadoras, canalização de gás, dutos para o esgoto cloacal e para o pluvial, encanamento para a água, etc. O piso também será totalmente modificado já que o atual não foi preparado para receber os carros-fortes, caminhão do lixo, caminhões de bombeiros (aliás, falta acessibilidade para eles hoje). A faixa central da via será de paralelepípedos de basalto, duas faixas laterais de concreto com plena acessibilidade e uma nova iluminação e paisagismo com a colocação de bancos para as pessoas;
6) Naturalmente gostaria de ter realizado esta obra na minha gestão, mas a liberação de recursos dependia do financiamento da CAF (faz parte do pacote de financiamento de 92 milhões de dólares que inclui a Revitalização da Orla (1 e 2), repavimentação das principais vias da cidade, revitalização do quadrilátero do centro da cidade). Hoje estes recursos estão garantidos bastando que a Prefeitura conclua o projeto executivo para a execução da obra.
Abraços,
José Fortunati
Prefeito de Porto Alegre (em 2010 a 2012 e 2013 a 2016)



Categorias:Abandono, Arquitetura | Urbanismo, Artigos

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27 respostas

  1. Pergunto ao Sr Adeli que foi visitar o novo Guarapari, onde anda o pessoal que tinha pequenas lojas ali?O Sr têm ideia do que aconteceu as pequenas lojas do Shopping Palácio, do Jipo Fábricas, do Camelódromo que o sr foi um dos idealizadores.Onde anda todas essas famílias?

  2. Exemplo concreto de que quando há pessoas com competência, expertise, e com senso estético elevado mesclado à racionalidade, é possível reverter a degradação e tornar o centro de uma cidade um lugar bacana para ver e viver, como neste excelente exemplo de Buenos Aires, valendo a pena tirar uns minutinhos para assistir:

    • Vivi em Buenos Aires e realmente as reformas estruturais do Centro Histórico da capital portenha foram fantásticas.
      Existem outras obras de calado maior (como linhas de metrô e trens, além do soterramento do Paseo Colón) que,quando concluídas, trarão maior qualidade de espaço urbano a uma região que sofreu com problemas estruturais e de mobilidade durante décadas, devido ao crescimento desordenado e pela desvalorização pela degradação (ou degradação pela desvalorização).

  3. O que ocorreu com o centro de porto alegre foi a gentrificação ao contrário. A classe média e os negócios que dependem dela foram para outros cantos da cidade. O que ficou apodreceu. Acho que os shopping centers foram uma das principais causas, pois o descaso do poder público favorece os espaços de circulação/convívio/compras privados, então naturalmente as pessoas fugiram para lá para não serem assaltadas nas ruas.

    • Concordo contigo, entretanto acho que os shoppings não são a causa e sim o efeito do descaso com o centro. Sem fiscalização do comércio ilegal e policiamento, os consumidores irão para os shoppings, e esses serão altamente rentáveis.

  4. Essa, sr adeli, é a rua da Praia que vc ajudou a afundar. Não é aquela do Glamour dos anos 70, 80. Essa, sr. adeli, é aquela que a esquerda de Poa. fundou na década de 90. Infelizmente. Morando e trabalhando no Centro desde 64 se bem quem é quem por aqui. Muito Papo e pouca Produção.

  5. Onde estão os luminosos neon das lojas ? Nova York, B. Aires, Tóquio, Londres, etc, todas tem…só P. Alegre que não tem !!!
    Exemplo vital…outdoor led saindo do túnel…lá ganhou vida.
    que piada o termo ” inclusiva” só pode ser coisa do PT…me lembro do Cidade Viva do PT, outra baita piada…

  6. Traçando um paralelo com a nossa Porto Alegre, se entregarmos o centro à iniciativa privada, é provável que surjam aquelas fortificações com muros altíssimos, e dentro desses muros sao erguidos 5 andares de estacionamento, e em cima desse estacionamento constroem um playground, uma piscina minuscula e em cima disso tudo blocos de apartamentos com arquitetura pobre e um nome tipo “Condomínio Playa Bonita’. Ou seja, uma M***

  7. Acho que Porto Alegre está hoje na situação que esteve NY na década de 70 (adaptado do documentário HyperNormalisation)

    “Em 1975, Nova York estava á beira do colapso, após 30 anos de empréstimos para o bem estar social. Nos anos 70 a classe média fugiu devido a criminalidade e junto com eles, os impostos. Logo os bancos começaram a se preocupar se a cidade seria capaz de pagar sua dívida. Os bancos insistiram que para proteger seus empréstimos eles deveriam controlar a cidade. Um novo comitê foi formado para controlar as finanças da cidade. Dos nove membros oito eram banqueiros. A cidade não teve outra saída: os banqueiros reforçaram a austeridade sobre milhares de professores, policiais e bombeiros.

    Para os políticos as crises eram resolvidas com negociações. Para os banqueiros, eles eram os representantes de algo que não pode ser negociado: a lógica do mercado. Sem serviços e com criminalidade elevada, ninguém se opôs aos bancos. Os radicais e esquerdistas que sonhavam em mudar a América através da revolução nada fizeram. Eles fugiram e estavam vivendo em construções abandonadas de Manhattan, se desconectaram, perdendo o contato com a realidade do poder.

    Uma das pessoas que entendeu como usar esse novo poder foi Donald Trump. Trump começou a comprar construções decadentes em Nova York e anunciava que as transformaria em hotéis de luxo e apartamentos. Mas em troca ele negociava o maior desconto de impostos da história de Nova York, o equivalente a 160 milhões de dólares. A cidade teve que aceitar porque estava desesperada e os bancos vendo uma oportunidade de negócio começaram a lhe emprestar dinheiro. Donald Trump começou a transformar Nova York em uma cidade para os ricos enquanto não pagava praticamente nada.”

    • Meia verdade, Trump se aproveitou especulando depois que o movimento de renovação QUE FOI CAPITANEADO PELO ESTADO começou. Nos bairros do sul da ilha na década de 90 estavam infestados de seringas descartadas pelas ruas, com prédios ocupados por traficantes e prostitutas. Esses bairros tiveram ações do govereno na construção de moradias sociais e, como no Lower East Side onde tive o prazer de morar, na AQUISIÇÃO DE PRÉDIOS CONDENADOS pelo governo, que os reformaram e os passaram para populações carentes através de programas de habitações PÚBLICOS. Atribuir a recuperação de NY à Trump é um equívoco. Ele surfou essa onda através da especulação imobiliaria. Mas quem conduziu NYC foram as POLÍTICAS PÚBLICAS conduzidas por Rudolph “Rudy” Giuliani

      • Em documentário as coisas são sempre resumidas, mas pesquisando um pouco as políticas públicas conduzidas por Rudy começaram somente após sua nomeação no governo Reagan em 1981. Entretanto em 1978 o Trump já havia comprado um hotel velho que daria origem ao Grand Hyatt Hotel, e finalizou as negociações para a construção da Trump Tower.

        Difícil saber quem começou o que e provavelmente o nome dos bois já não importa muito e sim os fatos e suas relações de causa e efeito.

        O que queria colocar é que essa cultura do caipirismo, que é a repulsa a qualquer indício de riqueza, acaba expulsando os pagadores de impostos e geradores de emprego, deixando para trás um rastro de subempregos.

      • Até 1992 tinha seringa com resto de heroína e prostituta por toda South Manhattan. Até o fim da década de 80 o metrô de NYC era extremamente perigoso em alguns pontos e os carros eram todos pixados, isso só foi mudar na década de 90. Ou seja, o advento do Trump Tower em nada ajudou nessa questão.

      • Cara, você não entendeu o texto. Não estou defendendo a poha do Trump

        Tudo que eu escrevi refere-se ao ciclo 1. Empobrecimento e violềncia: 2. Pagadores de impostos vão embora: 3. Poder público entra em crise; 4. Um investidor rico compra a cidade.

      • Esse é o problema, não houve “poder público saindo de cena” em NYC, MUITO PELO CONTRÁRIO. Houve FORTALECIMENTO da intervenção do estado!

  8. Experimente arrumar a rua da praia para ver a turminha começar a gritar “gentrificação”.

  9. “resgataria a Rua da Praia para as pessoas, para uma Porto Alegre novamente inclusiva.”
    kkkkkkk ‘para as pessoas’, só não diz quais pessoas, devem ser aquelas em que o prazer visual vale mais que o sustento do ambulante, pois ele tem uma imagem feia. Para essas eu digo, reeduquem seus olhares, o mundo não os serve para ser bonito aos seus olhos..

  10. Não à reabertura da rua da Praia para os carros!

  11. Quando é que vão tirar estes orelhões das ruas? É outra coisa que estraga a cidade.

  12. Também tenho vontade de chorar quando tenho passar pela Rua da Praia. Tá uma vergonha, não conseguimos nem caminhar. Virou camelódromo, até mãe de santo se instalou á tentar ganhar uns trocados no chão da rua. Virou palco de apresentações, teatro de rua, show de músicas, pastores, uma gritaria sem tamanho. Fora os churros, cachorro quente, cartão de loja, ship de telefonia. Uma parafernália. Uma tristesa. A prefeitura Municipal de Porto Alegre acho que só está preocupada em arrecadar, um descaso.

  13. Pois lhes direi: se eu fosse prefeito, resgataria a Rua da Praia para as pessoas, para uma Porto Alegre novamente inclusiva. Exatamente, resgatar para as pessoas. Pois, aqueles seres que vendem ali não são pessoas, não tem famílias para sustentar, eles não compram cafe e pagam impostos, não compram arroz e pagam impostos, não escovam os dentes, não usam roupas, não usam água e não pagam impostos e mais impostos. O nosso problema não é venda ilegal e sim excesso de políticos. Quanto gera um politico para a cidade?

    • Não foi isso que ele quis dizer. Em nenhum momento o vereador deu a entender que era isso que ele estava insinuando. E, apesar d’eu também achar que os ambulantes precisam achar seus sustentos com todo o direito que tem, não dá o direito a eles ou a qualquer trabalhador de se instalar onde quer que seja e como quiser, pois sendo assim, todos precisamos da mesma coisa e não posso eu me adonar do que já pertence a outras pessoas, como a rua da Praia que pertence à toda população. Ser inclusiva é simplesmente permitir que todos, sem achar que podemos julgar quem pode ou deve usar mais que outros, posto que cada um pensa de um jeito, por tanto como cidadãos livres que somos, decidimos em sociedade que queremos viver ordenadamente e com regras. Precisamos sim encontrar soluções para os ambulantes e para todo mundo por igual, pois todos queremos o mesmo. Trabalho, saúde, segurança e respeito.


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