Porto Alegre, cidade e turismo: Uma equação de incômodos e atitudes, por Marcelo Allet

O Museu Iberê Camargo foi implantado desta maneira de forma equivocada, junto às margens do Guaíba, dela apartada por uma via em curva e de alta velocidade que deixou de ser rebaixada – abrindo assim espaço para uma explanada contemplativa e de acesso aos que viessem a pé ou de bicicleta. Foto: Marcelo Allet

Ainda que eventualmente não seja tão claro para os agentes da indústria turística, existe uma estreita relação entre as suas possibilidades de desempenho econômico e as questões ligadas à produção do espaço da cidade, suas paisagens e ambiências urbanas correspondentes. Sobretudo no caso do chamado Turismo Urbano; ambiente este no qual se concentra a quase totalidade dos insumos necessários à formatação dos produtos desta modalidade.

Neste sentido, lembremos que os produtos do chamado Turismo Urbano se confundem com a própria localidade previamente comercializada como destino, na medida em que o consumo do bem adquirido consiste justamente na vivência que terá o comprador, chegando ao destino,

da infraestrutura de comércio e serviços da cidade em questão, da sua dinâmica cotidiana, bem como dos seus demais atributos urbanísticoarquitetônicos capazes de atrair, receber e estimular a permanência máxima do visitante.

Consideradas as implicações culturais e socioeconômicas destas interações, o meio acadêmico também delas se ocupa; indicando claramente hoje a natureza potencialmente sinérgica entre os interesses da indústria turística e do urbanismo, na medida das oportunidades que daí emanam em termos de prosperidade econômica, qualificação urbanística, de satisfação para o visitante, bem como de bem estar social para as populações residentes.

Adentrando no caso da cidade de Porto Alegre como destino turístico, dois incômodos já consolidados no nosso imaginário permitem supor uma debilidade dos insumos acima referidos, sobretudo no que concerne à configuração de produtos turísticos locais capazes não só de atrair como, também, de estimular uma maior permanência de visitantes na capital.

O primeiro destes incômodos se refere a questões ligadas à produção dos nossos espaços urbanos, paisagens e ambiências, conforme evidencia a manchete – “Porto Alegre é o cemitério do urbanismo” – em artigo publicado no jornal Zero Hora em meados de 2015, de autoria do jornalista

Marcelo Gonzatto. O termo “cemitério do urbanismo” exala uma tristeza profunda, dispensando, portanto, maiores argumentações a respeito. Volta e meia, no entanto, a mídia local remexe nesta tristeza noticiando novas debilidades, como o caso da já empoeirada revitalização da zona portuária histórica da cidade que se arrasta sem solução faz 30 anos – o

Cais Mauá. A nova sede para a orquestra sinfônica da capital – a OSPA – que depois ter sido contemplada com a construção da sua nova sede – interrompida faz alguns anos – será agora, conforme consta, abrigada na garagem do complexo administrativo do estado. Lembremos também, a título de ilustração, do tão esperado e tardio centro de convenções da cidade, que depois de tantas idas e vindas em busca de um local adequado, parece que agora encontrou finalmente seu novo endereço.

Sem falar na equivocada implantação do Museu Iberê Camargo junto às margens aquáticas da cidade, porem dela apartada por uma via em curva e de alta velocidade que deixou de ser rebaixada – abrindo assim espaço para uma explanada contemplativa e de acesso aos que viessem a pé ou de bicicleta – para dar lugar à sua garagem de não mais de uma centena de carros.

O que dizer então do desdém ao MUSA? Iniciativa pouco noticiada da viúva do nosso premiado escultor Vasco Prado? Ela também uma premiada artista plástica local que há quase uma década vem tentando heroicamente materializar, também junto à orla central da cidade, o Museu das Águas de Porto Alegre.

Em síntese, nosso luto social imaginário consiste na constatação de que são todos valiosos equipamentos de animação que já poderiam estar aí qualificando nossas ambiências e paisagens urbanas, atraindo e retendo turistas, bem como dinamizando a economia local e encantando visitantes e moradores.

O segundo incômodo – não por acaso de manifestação recorrente nos encontros do trade local – se refere à escolha sistemática dos visitantes que aqui desembarcam via “Salgado Filho” pelos destinos da Serra Gaúcha, em detrimento de Porto Alegre. Não raro, visitantes que se deslocam diretamente do aeroporto para Gramado, cidade nacionalmente reconhecida pela sua ambiência urbana agradável, espaços públicos bem desenhados e arquitetura igualmente diferenciada.

Reconhecidas a procedência e relevância das relações acima apontadas, vale lembrar que Porto Alegre se encontra inserida no contexto de uma economia pós-industrial, tecnológica, competitiva e globalizada, que contempla hoje – muito mais do que as antigas vantagens macroeconômicas locacionais – a qualidade das ambiências urbanas como fator determinante para alocação de seus investimentos; fenômeno este que, quando bem conduzido, tende a resultar numa espiral virtuosa de prosperidade para as localidades.

Neste sentido, acreditamos que provocar os agentes da indústria turística na direção de uma noção mais clara dos aspectos ligados à produção do espaço da cidade – bem como da estreita influência destes em seus interesses mercadológicos – possa estimular a inserção do tema urbanismo na sua pauta de preocupações, sendo este o propósito essencial deste artigo; desde o nosso ponto de vista, uma conduta absolutamente estratégica e promissora para ambos os setores e, indiretamente, para o conjunto da sociedade.

Em outras palavras, imaginamos que uma noção mais clara sobre as estreitas relações entre Arquitetura, produção dos espaços urbanos, atratividade turística e permanência do visitante interesse ao trade local na medida em que possa, por exemplo, provocar uma avaliação preliminar da cidade de Porto Alegre sob o ponto de vista destas relações, no intuito de mapearmos nossas debilidades e, a partir daí, balizarmos os agentes envolvidos para um eventual esforço conjunto de superação onde todos saiam ganhando. Em todos os sentidos, veremos que a cidade e a sociedade agradecem.

Em que pese os resultados positivos e, portanto, a relevância de iniciativas de divulgação mercadológica e atração de eventos para nossa cidade – práticas comuns no setor – nunca é demais lembrar que apenas elas, a médio e longo prazo, não bastam. É preciso, também, garantir-lhes consistência e credibilidade, despendendo simultaneamente esforços conjuntos, realmente integrados e sistemáticos para qualificar os insumos essenciais à constituição dos nossos produtos locais; consumidos que são pelos que nos visitam, na forma de vivências, espaços, paisagens e ambiências urbanas. Ou seja, na forma de vivências perceptivas que serão impactadas, em grande medida, pela arquitetura, o planejamento, a gestão e o desenho urbano dos espaços da cidade. Assim sendo, Isto também é, portanto, uma questão para o turismo. Porque então não incorporá-la na sua pauta de preocupações? Desde o nosso ponto de vista, uma atitude, inteligente, estratégica e necessária, ainda ausente entre nós. Lembremos que – como uma equação calibrada para dar certo – urbanismo e turismo podem, juntos, produzir prosperidade econômica, qualificação urbana e intenso prazer estético para visitantes e moradores. Já como uma equação onde há décadas se negligencia sistematicamente um dos fatores, urbanismo e turismo podem – também juntos – sufocar aquela generosa porem frágil galinha da fábula, que não mais aqui porá seus valiosos ovos de ouro.

Enfim, esta equação já é bem conhecida e, portanto, sua calibragem para dar certo, também aqui, nos parece, conforme já comentado, uma atitude estratégica e plenamente viável. Afinal, não faltam aqui incômodos, debilidades e condutas erráticas a superar. Mas, também, não faltam neste caminho conhecimento científico disponível, recursos humanos e urbanísticos qualificados e perspectivas de benefícios.

Arq. Urb. Marcelo Allet:

  • Arquiteto e Urbanista – Unisinos, 1990;
  • Especialista em Planejamento Urbano e Regional – UFRGS / PROPUR, 1995;
  • Professor convidado –  UCS / Faculdade de Turismo, Disciplina de Planificação Territorial e Urbana para o Turismo, 1994 a 1999;
  • Arquiteto do quadro – PMPA/SPM/SMURB desde 1996;
  • Coordenador / Co-autor do Plano de Diretrizes de Desenho Urbano para a Orla Central de Porto Alegre, 2006 a 2011;
  • Coordenador / Co-autor – Projeto Orla Sul: qualificação urbanística da zona costeira e preservação ambiental na porção sul do território municipal. PMPA / SMURB, 2010 a 2016;
  • Representante PMPA Convidado / Co-autor  – Plano Hidroviário Metropolitano do RS. METROPLAN, 2015;
  • Autor /Coordenador – Programa Hidroviárias Municipais POA. PMPA / SMURB / EPTC. 2015 a 2016
  • Aluno Especial – Gestão e Gerenciamento da Zona Costeira. UFRGS / Instituto de Geociêcias – CECO / Programa de Pós Graduação em Geografia, 2017.


Categorias:Arquitetura | Urbanismo, Artigos

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10 respostas

  1. Prezados: a título de esclarecimento, cumpre informar que a iniciativa do MUSA, coordenada pela artista plástica Zoravia Betiol – a quem me refiro no texto como viúva do escultor Vasco Prado – é na verdade de um grupo multidisciplinar de profissionais nas áreas da Engenharia, Artes Plásticas, Arquitetura e Urbanismo, Museologia e Publicidade, dentre outras. Abraços.

    • Essa Zoravia BESTIOL e’ aquela velha louca ecoxiita que e’ contra o Pontal do Estaleiro, Cais Maua, Orla do Gasometro e tudo mais que venha a revitalizar a cidade.
      Quero mais e’ que se exploda!!

  2. Eu vejo basicamente 2 questões que se interligam: cegueira ideológica e incometência na gestão pública. A segunda poderia ser diminuída se o Estado não tentasse resolver todos os problemas com o caixa próprio, só que aí entramos na primeira. Por que o Estaleiro Só não saiu? Porque ficamos meses discutindo se o conteúdo dos prédios que lá seriam colocados para financiar o parque público seria residencial ou comercial. Chegou-se à conclusão que se fossem residenciais, seria o mesmo que “privatizar o por do sol” com direito à charges da população vendo o por do sol por um telão em troca de venda de ingressos. Parte do povo esquece que coisas custam dinheiro, e que o estado está quebrado e não tem dinheiro para constuir parques, museus, escolas e hospitais tudo ao mesmo tempo. E que a solução é solicitar ajuda da iniciativa privada, mas a iniciativa privada precisa de lucro, mas o lucro é demonizado, “NÃO PODE TER LUCRO” em um espaço público. Se a Starbucks se dispusesse a reformar toda a Redenção, financiar escola de futebol para crianças carentes, dar aulas de remo no lago central de graça, pagasse policiamento, e em troca pedisse a instalação de uma loja no centro do parque, todos sabem que haveria protestos, haveria gritos contra a “PRIVATIZAÇÃO DO PARQUE”. Porto Alegre é alérgica a investimentos privados, pois esses prescindem de LUCRO. Na cidade do LUCRO PROIBIDO não vai sair muita coisa.

    • Ótimo comentário! Me lembrou a conversa entre Silvio Santos e Zé Celso: “Vamos fazer tendas, teatro, parque…”. “Com que dinheiro?”

      • Excelente vídeo. É isso. Essa alergia à palavra “empreendimento” ao lucro enterra todas essas ideias maravilhosas. Até pra botar tenda custa dinheiro. Isso não entra na cabecinha dura de algumas pessoas.

  3. Posso falar como alguém que vê a cidade também como turista. Fato, sem produto turístico e sem atrativos não tem como a indústria do turismo florescer. Curitiba sem exatamente ter atrativos relevantes naturais, soube literalmente criar através da gestão do Jaime Lerner, digamos pontos turísticos, arrumando de forma encantadora vários pontos da capital paranaense, mas especialmente o seu centrão com a implantação do calçadão da XV, chamado Rua das Flores. Bem POA, tem muito mas muito potencial, agora falta cuidar das áreas como a Rua da Praia que deveria receber uma revitalização com projeto de algum grande escritório de urbanismo internacional; o Mercado Público cujo interior teria de ser todo repaginado para ter uma vibe de Mercado La Boqueria de Barcelona ou Mercado Victoria de Córdoba. E finalmente, esse cais do porto abandonado é o maior absurdo, porque poucas cidades no mundo têm ainda uma área como essa disponível para revitalizar e POA tem, só que… Tem também aquele mirante do Morro Santa Tereza, podrão, o Viaduto Otávio Rocha, impressionante obra arquitetônica, só que largado como um favelão. Enfim, Porto Alegre, choca, porque se percebe o potencial subjacente abafado por tanto esculacho, emporcalhamento, domínio de moradores de rua como em nenhum outro lugar. Sem cuidar do asseio, do embelezamento estético refinado do espaço público em geral e da criação e recriação de produtos turísticos específicos e organizados, nunca a cidade conseguirá colher benefícios da atividade turística, que se estivesse acontecendo de modo dinâmico como se vê em outras cidades poderia fazer toda a diferença.

  4. só veria potencial turistico se o guaiba fosse despoluido e extremamente vitalizado, que o lazer da cidade girasse ao redor disso. Fora isso, POA é só mais uma cidade com alguns resquicios de prédios historicos, igual a todas cidades brasileiras, porém com a desvantagem da ausencia de paisagens naturais.
    Em nada se destaca das restantes. Se o conceito de explorar o guaiba nao for aproveitado, nao vai ser calçamento e banco de praça que vai fazer a cidade se tornar turistica, isso é só o minimo de estrutura que se espera de uma cidade.

    • Temos 72km de orla que poderiam estar bombando, em vez disso está na sua maior parte abandonada. A revitalização do trecho entre o Gasômetro e a Rótula das Cuias é realmente um milagre. Já fui mais otimista quanto a esta obra poder mudar a forma como lidamos com a cidade… Passo literalmente todos os dias pelo viaduto Otávio e o Largo dos Açorianos, é o meu trajeto diário de retorno do trabalho. O sentimento que se tem é de tristeza, ao mesmo tempo de revolta. Aquele viaduto é de uma beleza impressionante. A degradação e a sujeira, a meu ver, não conseguem esconder a imponência. É realmente lamentável que esteja do jeito que está. No Açorianos não se vê evolução alguma naquela restauração. Como uma cidade pode ser turística se não consegue dar conta de mantê-la bem para o desfrute dos próprios moradores?
      Porto Alegre tem um caminho muito longo a trilhar ainda, a gente desanima quando se dá conta que nem relógio de rua se consegue manter… Mas eu acho que isso passa também pela mentalidade da população, o porto-alegrense de um modo geral infelizmente se acostumou com a cidade jogada as traças. Acho que também tem a ver um pouco com desconhecer a cidade, daí nada é valorizado.
      Nasci aqui e sempre morei aqui, caminho bastante pela cidade, e não raras vezes faço isso me imaginando estando aqui pela primeira vez, e aí a gente se dá conta do enorme potencial que temos de verdade e o quanto isso é desperdiçado.

      • As secretarias de Desenvolvimento Econômico, Desenvolvimento Social juntamente com EPTC, Guarda Municipal e DMLU estão desenvolvendo um projeto conjunto para revitalizar o Viaduto Otávio Rocha. Só não saiu ainda pois o prefeito interrompeu, no sentido de termos um projeto mais amplo e não somente no Viaduto.
        Da mesma forma os Açorianos estão em obra, em breve, em 2018, será reinaugurado.
        Semana que vem postarei fotos de como está atualmente. Já percebi (in loco) que está andando e terá obras bem substanciais ali, deixando o local como novo. Não perdemos por esperar.

  5. Bom dia.
    Excelente texto e percepção. Porto Alegre tem muito ainda por fazer e se aprimorar, principalmente quando o poder público não atrapalhar os empreendedores. Não tem nada demais em se implementar um grandioso projeto e ganhar com ele, mas parece que é vergonhoso trabalhar e ganhar dinheiro. Ainda se está a espera do que se fazer na área do Estaleiro Só, por exemplo. Aqui demoram décadas para serem aprovados e implantados qualquer coisa, onde sobressai a briga de diversos setores que inviabilizaram os projetos. A concorrência desta tranqueira toda é vista mais facilmente com a demora do Cais Mauá em se concretizar. Todo mundo mete o bedelho e ninguém faz a obra. Tem muitos palpiteiros para pouca conversa. E quem perde é a cidade…

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