Eliminação da Exigência de Vagas de Estacionamento, por Anthony Ling

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Um resultado comum da obrigação de vagas mínimas são “bandejas” nos primeiros andares dos prédios, como no exemplo do hotel da foto, em Porto Alegre (Foto: Gilberto Simon – Porto Imagem).

Continuando a nossa publicação de artigos de Anthony Ling, publicamos hoje essa interessante abordagem sobre a exigência de estacionamentos em prédios.

É comum no planejamento urbano brasileiro a exigência de um número mínimo de vagas de estacionamento para qualquer novo empreendimento. Um argumento comum em defesa dessa regra é que ela possibilita que os motoristas saiam o mais rápido possível da via pública, evitando congestionamentos, e também evita que eles utilizem as vias públicas como estacionamento.

Em Recife, por exemplo, todo novo apartamento, por menor que seja, requer pelo menos uma vaga de garagem. A partir de 80m2 de área, a legislação exige duas vagas por unidade, e acima de 150m2, três vagas. Para efeito comparativo, o edifício mais alto da Europa Ocidental, o The Shard, em Londres, tem cerca de 100 mil m2 de área construída e apenas 47 vagas de garagem, destinadas principalmente a usuários com mobilidade reduzida. O arranha-céu londrino conta com amplo acesso à rede de transporte público, o que é possibilitado pelo aumento da intensidade de uso do solo com a sua própria área construída. Caso o The Shard fosse construído, por exemplo, em Porto Alegre, ele deveria contar com cerca de 22 mil vagas de garagem, que exigiria uma área construída maior que a do próprio edifício apenas para a guarda de veículos. Segundo estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP), um quarto de toda a área construída de São Paulo é destinada a estacionamentos.

A obrigatoriedade de vagas para estacionamento funciona, na prática, como um estímulo para os moradores comprarem automóveis. Isso ocorre porque os moradores estão investindo no carro – ou melhor, no espaço para guardá-lo – no próprio ato da compra do imóvel. Logo, residentes que optam pelo transporte coletivo, pela bicicleta ou por andar a pé são obrigados a pagar pela vaga de estacionamento quando compram ou alugam um imóvel em um edifício aprovado em legislações mais recentes.

“Menos área útil não significa apenas menor arrecadação por parte do empreendedor ou um preço maior a pagar pelos usuários, mas também uma diminuição da oferta de imóveis na cidade como um todo, o que eleva os preços dos imóveis.”

Para o incorporador, por sua vez, tal obrigação aumenta os custos de construção, que são repassados ao consumidor final. A obrigatoriedade tem um impacto direto no valor final dos imóveis, já que é necessário construir área adicional mesmo que não haja demanda dos usuários. Também resulta em impactos indiretos nos casos em que é necessário abrir mão de área chamada “útil”, como a de salas comerciais ou de apartamentos, para construir o estacionamento e manter a viabilidade econômica do empreendimento. Menos área útil não significa apenas menor arrecadação por parte do empreendedor ou um preço maior a pagar pelos usuários, mas também uma diminuição da oferta de imóveis na cidade como um todo, o que eleva os preços dos imóveis.

Outro problema grave da exigência de vagas de estacionamento é o resultado final da edificação. A obrigatoriedade da construção de garagens, aliada ao desincentivo à ocupação do andar térreo com áreas úteis, leva justamente à ocupação dos andares térreos da cidade com garagens e estacionamentos. Muitas vezes tal situação se agrava, e as garagens ocupam não apenas o térreo como também o primeiro andar, formando uma “bandeja” sobre as calçadas e distanciando ainda mais as áreas efetivamente ocupadas pelas pessoas do espaço público, dificultando a interação diária dos moradores.

Sugerimos, assim, que a área de estacionamento de qualquer nova edificação deve contar como área construída e ser dimensionada a critério do incorporador e/ou arquiteto responsável pelo projeto, baseando-se no tipo de imóvel e perfil do usuário que o ocupará. Tal medida ajudaria a diminuir o incentivo ao uso do automóvel individual e contribuiria para o aumento de imóveis com preços mais acessíveis e para a diminuição da proporção atualmente exagerada da área de estacionamento da cidade.

Caos Planejado

Anthony Ling é Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e fundador e editor geral do Caos Planejado. Trabalhou com o arquiteto Isay Weinfeld e atualmente cursa MBA na universidade de Stanford.

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Categorias:Arquitetura | Urbanismo, Arranha Céus, Artigos, Outros assuntos, Prédios

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13 respostas

  1. No cerne do problema está a questão econômica. O governo incentiva a produção de veículos liberando crédito e baixando impostos para as fábricas gerarem emprego, e o resultado estoura na mobilidade das cidades. Se houvesse investimento no transporte coletivo e maior dificuldade na produção de veículos a realidade seria outra. Tratar o tema apenas do ponto de vista da legislação urbanistica é muito superficial gerando soluções simplistas. Era isso….

  2. Acho importante repensarmos estas legislações que impõem a qualquer custo a exigência de vagas de estacionamento em condomínios verticais. Mas devemos ponderar nas observações.
    Se na Europa já é vencida esta questão, não devemos esquecer que os valores histórico-culturais, e sobretudo de infraestrutura urbana, não servem para comparação à nossa realidade atual. Se aqui ainda vivemos problemas relacionados ao transporte público, no “velho continente”, por outro lado, estas deficiências são menos impactantes no dia a dia do cidadão (não estou dizendo que não existem, apenas que existem em menor grau). Se aqui ainda temos as diversas questões de mobilidade urbana a serem resolvidas, lá esta etapa do projeto urbano já está melhor melhor encaminhada. Creio que, comparativamente à grande maioria das grandes e médias cidades europeias, somos muito mais “carrodependentes”.
    A questão de aumentar os custos da construção para o incorporador é bastante questionável. Como trabalho diretamente parta construtoras, sei que um dos maiores custo-benefícios da construção de uma unidade habitacional ou comercial está na venda agregada da vaga de estacionamento. Uma vaga de estacionamento tem, numa média geral de projeto padrão, uma área de 12m² e necessita de cerca de 24m² de área comum de circulação (isto é algo bastante pessoal, representativo para mim, mas não é lei). São cerca de 36m² praticamente sem nenhuma benfeitoria (elétrica, hidráulica, acabamentos, esquadrias, fachada, etc). Comparativamente à área da unidade habitacional/comercial, no momento da venda é uma margem de lucro muito maior.
    Assim, é comum que a exigência de projeto (por parte do empreendedor) seja muito mais vagas do que a Legislação urbana exige. Por isso penso que não é apenas questão de retirar a exigência de vagas da Lei, e sim de buscar a efetividade da solução em termos práticos na vida real. Mesmo desobrigando sua existência, ainda serão exigidas pelo empreendedor na busca de maior lucro e/ou como atrativo do empreendimento.
    O exemplo que sempre uso nestes casos é a área da rua Santa Terezinha, entre a Redenção e o Hospital de Clínicas. Uma sequência de edificações sem estacionamentos próprios, onde a rua, as calçadas e as praças são “privatizadas” para estacionar os carros dos moradores. Não creio que o caminho do melhor urbanismo e da cidade que queremos seja este (embora considere a região bastante agradável de uma maneira geral, temos que admitir que se as ruas fossem menos ocupadas por automóveis, a percepção do espaço urbano seria muito melhor).
    Outro ponto é a questão do contato com a rua, como cita o texto. Acho que devemos refletir que este contato com a rua não necessariamente seja algo positivo para o morador, uma vez que muitas ruas são pólos irradiadores e ruídos. Mais ainda, nossa realidade é tão outra que no momento de apresentar o projeto a um investidor até questões de segurança são levantadas. Acho que isso varia de projeto para projeto.
    Com relação a tal “bandeja” que se forma com a situação da garagem nos andares inferiores, para mim isto é muito mais uma questão de “doutrinação” da morfologia da arquitetura, por parte da Legislação. Tenho convicção de que, eliminando a necessidade de vagas e mantendo a mesma formula de projeto na legislação, esta bandeja continuará existindo, seja para abrigar unidades habitacionais/comerciais, seja para abrigar vagas que o empreendedor continuará exigindo, seja para abrigar áreas comuns do condomínio ou seja para utilização como área comercial de lojas. A bandeja sempre existirá enquanto a lei manter isso como um atrativo ao empreendedor (possibilidade de construir até o limite do terreno em andares mais baixos).
    Acho que em parte estamos tangenciando o foco da situação. Por exemplo, poderíamos ter uma legislação direcionada, desobrigando tal necessidade (de construir vagas vinculadas à área privativa) em áreas dotadas de melhor infra estrutura de transporte, ou quem sabe estimular a execução de edifícios de estacionamentos dentro da malha urbana não apenas em bairros comerciais. Voltando a citar a questão da Europa, cabe lembrar que lá os estacionamentos públicos (inclusive subterrâneos) já fazem parte da paisagem não apenas das áreas centrais. Nem precisamos ir tão longe, basta olhar para Buenos Aires que também faz uso de grandes estacionamentos sob as praças (menos do que o necessário, é bem verdade).
    Seguindo no tema, uma vez que são obrigatórias as tais vagas, por que não estimular o empreendedor a fazê-las subterrâneas, retirando assim da superfície a massa edificada?
    São pontos de partida a se considerar sobre o tema e, certamente, existem inúmeros outros e embora concorde com o texto quando este exige a desobrigação da construção de vagas vinculadas, ressalto que na minha opinião isto talvez não gere os efeitos esperados sobre o desestímulo ao uso do automóvel ou à mudança na morfologia edificada.

    • apena suma observação – 12m² de circulação de uso comum para cada vaga. Área final da vaga 24m² e não 36m² (resslato que é um valor particular de minha parte e que varia de situação para situação). De qualquer modo, apenas corrobora o que coloco no texto.

  3. Só vou comentar o que se vê na imagem. A pior arquitetura possível do mundo contemporâneo, inferior a tudo em todos lugares do planeta! Se aproxima aos projetos mais populares da Coréia do Norte, porque na realidade para públicos mais elitizados os norte-coreanos fazem edifícios modernos e lindaços como não há um em Porto Alegre.

  4. O perigo de eliminar vagas no centro é acelerar o processo de desgentrificação. As pessoas têm medo de andar de transporte público. Vão simplesmente deixar de ir ao centro e vão ao shopping. Aliás, é isso que ocorreu nas últimas décadas.

    • Esse é um ponto relevante. A questão é que o centro deve ser atrativo o suficiente para justificar a pessoa a se deslocar de carro e pagar por um estacionamento. Imagine a situação oposta, onde as opções no centro sejam para “coisas baratas”, serviços burocráticos ou lojas de bugiganga, mas com estacionamento de graça. Essa última situação é a que temos hoje.

  5. Essa lei exigindo vagas de estacionamento é a típica interferência do estado que causa muito mais prejuízo que benefício.

    É impossível uma lei ou imposição estatal adequar-se a toda a variedade de bairros, tipos de prédios, uso que se dá para o estabelecimento, comportamento das pessoas ao longo do tempo…

    Que deixe livre e que as pessoas decidam se querem vaga dentro do prédio, valet, transporte coletivo, bicicleta… pagando com seu próprio dinheiro pela escolha que fazem.

  6. Sempre o bom senso deve prevalecer, nao é a primeira vez que leio sobre essa megalomania de vagas em recife. Mas é claro, nao devemos nos ater somente a isso.

    Em bairros de poa como menino deus ha varios predios que nao tem garagem para ninguem e por consequencia esses tem em sua volta ha inumeros edificios garagem, ou terrenos transformados em estacionamento.

    Ou seja muitas vagas é ruin, poucas tambem.

  7. que bizarrice grotesca horrenda é esse predio da foto? que coisa terrível.

    • AutoBot, qualo parte do texto do post que segue abaixo tu não entendeu?

      “”Para efeito comparativo, o edifício mais alto da Europa Ocidental, o The Shard, em Londres, tem cerca de 100 mil m2 de área construída e apenas 47 vagas de garagem, destinadas principalmente a usuários com mobilidade reduzida. O arranha-céu londrino conta com amplo acesso à rede de transporte público, o que é possibilitado pelo aumento da intensidade de uso do solo com a sua própria área construída. Caso o The Shard fosse construído, por exemplo, em Porto Alegre, ele deveria contar com cerca de 22 mil vagas de garagem, que exigiria uma área construída maior que a do próprio edifício apenas para a guarda de veículos.””

      Essa “bizarrice grotesca horrenda coisa terrível”, misto de shopping e hotel de Porto Alegre…:

      …É consequência direta da atual lei de vagas de garagem por metro quadrado, e da falta de investimentos em linhas de metrô em Porto Alegre.
      Os construtores desse empreendimento foram reféns dessa lei e não teriam como ter feito algo muito diferente do que fizeram, tendo em vista essa situação absurda.

      • o prédio em questão só tem essa quantidade de vagas por ser um hotel, é um caso isolado, cada quarto tem sua vaga, não é consequencia da lei que restringe vagas a metragem.

        • Tu estás equivocado.
          É um shopping e hotel. Existem muitos shoppings e hotéis pelo mundo com bem menos vagas de estacionamento (às vezes mesmo sem estacionamento) do que este exemplo aí, mas em cidades que investem em transporte público de qualidade e não tem essa lei absurda de número mínimo de vagas de estacionamento.
          Essa bizarrice da foto é sim consequência dessa situação absurda de um país tupiniquim.

  8. Discordo, mas legal existir um ponto de vista sobre esse tema, nao sabia que divergia opiniões. Tb na teoria a ausencia de vagas obrigaria o usuário a usar o transporte publico, assim como funciona a quem quer ir ao centro, e isso aumentaria a pressão para melhoras do transporte publico. Ok.
    Mas na prática essa teoria não funcionaria em POA, pois o transito atual ja é caótico, tomar essa medida a partir de hoje não reduziria o problema, e o problema não ira se agravar se a tendencia pro futuro for abrir mão do transporte privado.

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