MANIFESTO PÚBLICO do IPH/UFRGS sobre o “Muro da Mauá” (Janeiro/2021)

Trago novamente aqui este manifesto do IPH/URGS, já que estamos num momento de discussões sobre a viabilidade ou não da derrubada e/ou modernização do sistema de proteção contra as cheias da cidade de Porto Alegre, especificamente os 2.647 metros de muro na Av. Mauá. Este manifesto foi lançado em janeiro de 2021 e publicado aqui no Blog, claro.

O MANIFESTO

Na assinatura do contrato de arrendamento da área do Cais Embarcadero, administradores públicos se manifestaram pela remoção, redução ou substituição do Muro da Mauá. Este debate ressurge de tempos em tempos, mas é possível que nem todos que expressam suas opiniões estejam adequadamente informados sobre os aspectos técnicos que envolvem uma intervenção nesta estrutura de defesa contra cheias do Guaíba. Nesse sentido, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS (IPH) vem a público contribuir com alguns esclarecimentos.

As manifestações favoráveis à retirada total ou parcial do muro são, geralmente, acompanhadas de sugestões de que esta estrutura pode ser rebaixada ou substituída, com vantagens para o ambiente urbano, por algum tipo de estrutura móvel, ou até que ela é dispensável, já que desde 1941 não foi registrada cheia igual ou semelhante.

Algumas destas sugestões são relevantes, mas é necessário lembrar que o Muro da Mauá é apenas parte de um complexo sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre, composto por diques, o Muro da Mauá e casas de bombas. Ele inclui a BR-290 (Freeway), Av. Edvaldo Pereira Paiva, Av. Ipiranga e Av. Diário de Notícias, protegendo uma área que vai do Centro Histórico até os bairros ao norte (Farrapos e Humaitá) e a região do aeroporto.

O rebaixamento do muro reduziria o grau de proteção de todo o sistema, e o uso de estruturas móveis exigiria maior rigor na operação, manutenção e treinamento periódico.

A modificação do Muro da Mauá é uma decisão que deve ser baseada na razão e bom senso, considerando benefícios e prejuízos gerados. Vale lembrar que, em pouco mais de 100 anos de registros, houve 4 eventos (1928, 1936, 1941 e 1967) em que o muro teria dado proteção efetiva e que, em 2015, o nível d’água ficou apenas 4 cm abaixo da cota do cais do porto. Além disso, nada indica que uma cheia igual ou superior à de 1941 não possa ocorrer outra vez.

Entendemos que o Muro da Mauá pode ser substituído, desde que seja garantido no mínimo o mesmo grau de segurança que temos hoje (incluindo a consideração de operação e manutenção periódicas). Caso haja redução no grau de proteção, alguém deverá se responsabilizar pelos riscos decorrentes, arcando com as perdas e danos eventualmente causados por inundações.

O IPH disponibiliza seu corpo técnico para auxiliar no esclarecimento e no debate sobre alternativas.

INSTITUTO DE PESQUISAS HIDRÁULICAS/UFRGS
Janeiro/2021

QUE O SISTEMA DE PROTEÇÃO CONTRA CHEIAS SEJA MANTIDO

1992: Prevenir é o melhor remédio: sistemas de proteção contra inundações e alagamentos de Porto Alegre – Publicação da Prefeitura Municipal de Porto Alegre em que apresenta o sistema de proteção contra cheias e, mesmo de forma resumida, é amplamente elucidativa.

1994: Concurso Público Nacional de Ideias Muro da Mauá, promovido pelo IAB/RS e pelo DEP/Prefeitura Municipal de Porto Alegre, com objetivo de premiar propostas de intervenções arquitetônicas e urbanísticas a partir da permanência do muro de proteção contra enchentes, objetivando melhorar a integração entre a cidade e o Guaíba.
Disponível em: https://www.ufrgs.br/arqconcursosrs/acervo/1994-2/muro-da-maua-1o-lugar/

1999: CONFLITOS DO CONTROLE DE INUNDAÇÃO RIBEIRINHA EM PORTO ALEGRE. Carlos E. M. Tucci. XIII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS- 1999 – Belo Horizonte – MG
Disponível em: http://rhama.com.br/blog/wp-content/uploads/2017/01/conflitosinudacao.pdf

2010: Muro da Mauá: “cortina de proteção” que começou há 50 anos. Revista CREA/RS – Maio de 2010 – ANO VI | Nº 69.
“..a polêmica já foi levantada, no mínimo, cinco vezes. Em todas essas ocasiões, o departamento manifestou- se totalmente contrário à ideia de derrubada do muro, apresentando todos os argumentos técnicos
cabíveis.”
“O projeto Cais Mauá, em sua concepção inicial, previa o rebaixamento do muro em 1.5 m. Entretanto, após anos de discussões e argumentações por parte de técnicos do DEP, a proposta final eliminou esse item, mantendo integralmente o muro”.
Disponível em: http://www.crea-rs.org.br/site/arquivo/revistas/ed69.pdf

2010: Complexo Cais Mauá. b720 Fermím Vázquez e Arquitectos e Jaime Lerner Arquitetos Associados. Os autores deram especial atenção ao tratamento do muro, elemento emblemático da separação física da área do Cais e do Centro. De forma simbólica, o Guaíba voltará a banhar a cidade, derramando-se na forma de uma cortina d’água na face externa do muro, reaproximando metaforicamente as dimensões terra-água e convidando ao ingresso na área. À noite, essa torrente se converte em uma dinâmica luminária para Porto Alegre.
Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/01-2142/complexo-cais-maua-b720-fermim-vazquez-e- arquitectos-e-jaime-lerner-arquitetos-associados

2011: Artigo: O Muro da Mauá e suas comportas, por Ernesto da Cruz, Diretor-Geral do DEP na administração do Prefeito José Fortunati.
“Se não temos um projeto que garanta a proteção da cidade contra as cheias em substituição ao muro, se após 1941 já tivemos dois transbordamentos no cais e em 2002 faltou 0,50 metro para que isto acontecesse, que gestor seria capaz de assinar sua derrubada com segurança? Por isto, ele continua em pé, apesar de já terem passado pela prefeitura gestores de todos os partidos políticos desta cidade.”
Disponível em: https://portoimagem.wordpress.com/2011/01/08/o-muro-da-maua-e-suas-comportas-por-ernesto-da-cruz-teixeira/

2019: Revista ASTEC – Artigo Técnico: O muro da Mauá e a sua importância para Porto Alegre. Engenheiro Carlos Adolfo Bernd. Disponível em: http://astecpmpa.com.br/wp-content/uploads/2019/08/pdf-do-site- 44.pdf

_______________________

Artigo publicado no Blog Porto Imagem foi citado pelo IPH/UFRGS

O penúltimo item, de 2011, acima, cita artigo publicado aqui no Blog Porto Imagem.

Reproduzo aqui novamente o artigo do Ernesto da Cruz Teixeira, na época, diretor do DMAE (Prefeitura de Porto Alegre)

Artigo: O Muro da Mauá e suas comportas, por Ernesto da Cruz Teixeira

POR GILBERTO SIMON em 

Muro da Mauá, visto do alto do Ed. Formac. Foto: Gilberto Simon / Porto Imagem

Agora que teremos a construção do novo Cais Mauá, o muro será assunto presente em todas as discussões e, antecipando-me a elas, respondo a uma leitora de Zero Hora que questionava “O que adianta o muro se seus portões estão todos quebrados e enferrujados?”. Respondo: o muro tem uma extensão de 2.647 metros e, ao longo desta cortina de proteção, existem 14 comportas (portões). Todos eles foram reformados e serão entregues recuperados no dia 19 de janeiro à população. Com um investimento de R$ 1,786 milhão, os novos portões poderão ser fechados em menos de 50 segundos com o acionamento hidráulico.

Nunca, até os dias de hoje, foi apresentado um projeto que garanta à cidade a proteção contra as cheias do Guaíba que o muro oferece. Engana-se quem acha que só em 1941 houve uma enchente de proporções e que, depois desse fato, nada mais houve que provocasse preocupações.

Em 1967 tivemos uma inundação que atingiu a cota 3,13 metros e o muro ainda não havia sido construí-do. Em 1984 foram 2,50 metros de cota e as comportas chegaram a ser fechadas. Em 2002 a cota atingiu 2,46 metros, chegando à beira da murada do cais.

O sistema de proteção contra cheias da cidade (diques em terra, muro da Mauá com suas 14 comportas e casas de bombas), conforme relatório do extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) datado de 1968, teve um custo de R$ 385 milhões, se considerarmos apenas a correção monetária até hoje, sem a estimativa do aumento do custo da construção verificado nessas décadas. Isto foi gasto para garantir à população uma maior segurança, pois esta é, sem dúvida, a grande responsabilidade do gestor público: garantir a segurança do cidadão.

Se não temos um projeto que garanta a proteção da cidade contra as cheias em substituição ao muro, se após 1941 já tivemos dois transbordamentos no cais e em 2002 faltou 0,50 metro para que isto acontecesse, que gestor seria capaz de assinar sua derrubada com segurança? Por isto, ele continua em pé, apesar de já terem passado pela prefeitura gestores de todos os partidos políticos desta cidade.

Ernesto da Cruz Teixeira é Diretor-Geral do DEP



Categorias:Muro da Mauá

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27 respostas

  1. Tem que derrubar o muro, ele é um atraso para a cidade!!!!

  2. Esse muro é cringe.
    Até a geração responsável por esse atentado ao bom gosto desaparecer, infelizmente seremos vítimas dessa chantagem emocional e do terrorismo.

    Me lembra aquele filme “A Vila” do M Night Shyamalan onde os mais velhos da comunidade se vestiam de monstros para assustar os mais jovens.

    Esse muro no futuro vai ser igual a um espartilho, da mesma forma que a gente olha para o passado e pensa “como eles poderiam ser tão atrasados e usar espartilhos” as pessoas vão olhar para esse muro nos livros de história e dar risada de como a nossa geração pode ter sido tão medíocre em termos de relação com a paisagem urbana.

    Ninguém esta propondo derrubar o muro amanhã, mas realizar estudos sérios com engenheiros isentos. Apenas isso, engenheiros isentos!Não adianta perguntar para quem bolou o muro…

    • Não confunda engenharia com politicagem. Política é a arte de mentir e engenharia é a aplicação do conhecimento científico, econômico, social e prático.

    • A engenharia também estuda o custo das obras. Lógico que ha opçoes para o muro da Mauá, mas sao muito caras para serem colocadas em prática nesse momento. Temos outras areas que precisam muito mais de recursos do que um simples embelezamento da região central da cidade.

      • Então cobra da iniciativa privada! Quer colocar um Press Café, um 20 barra 9, um hotel butique, um shopping, coloca, mas paga o sistema de contenção! Liberaram o espaço para o Embarcadero pedindo o que em troca? os donos do Xis, do Press certamente vão faturar milhões vendendo produtos superfaturados, mas e a sociedade vai ganhar o que em troca? Porque o estado teria que pagar o sistema novo se é a iniciativa privada que esta lucrando com o espaço? Quer privatizar o espaço? Privatiza, mas exige algo em troca!

        • Não quero nada disso. Nem comentei nada a respeito.
          Nenhuma empresa teria condições de arcar com uma obra desse porte. Não teria retorno.

          O pessoal acha que com 2 milhões vão fazer essa troca..isso estaria na casa das muitas dezenas de milhoes de reais.

        • Faturar milhões?!
          Produtos Superfaturados?!
          Acho que você não entende muito de negócios…

      • Então me diga, se a engenharia estuda o custo das obras, quais são as opções ao muro e qual o custo dessas opções. A engenharia já estudou?

        Ou é só um bando de funcionário público, “engenheiros” que nunca empilharam nem um tijolo, que passam os dias tomando cafezinho e gritando “Mariele Presente” que redigiram esse “manifesto” “”técnico”” (isso mesmo, com 4 aspas no técnico).

  3. Reação veemente para manter tudo como está, o mesmo padrão de engenharia arcaica para fins de uma pretensa proteção contra a volta de uma grande cheia à la 1941, através de um muro esteticamente bizarro e que segrega o maior patrimônio cultural e histórico do centro dessa capital. O fato minha gente é que esse novo patamar ora proposto de estrutura e tecnologia mais avançadas, o que faz é expor totalmente o atraso das “grandes soluções ultrapassadas” que são a tônica da engenharia brazuca e dessa instituição federal, e isso fere egos. E dá-lhe manifesto! E dá-lhe viver no passado-presente!

    • Está lá de forma literal que na opinião deles o muro pode ser substituído, desde que garantindo-se o mesmo nível de segurança com outra solução. E, caso decidam de outra forma, reduzindo esse nível, que o pessoal se responsabilize. Me parece bem razoável e sensato.

  4. Copio aqui comentário que fiz sobre o mesmo assunto em outro post deste blog, em janeiro (https://portoimagem.wordpress.com/2021/01/10/instituto-de-pesquisas-hidraulicas-da-ufrgs-divulga-manifesto-sobre-mudancas-no-muro-da-maua-em-porto-alegre):

    Eu gostaria que algum desses especialistas deste instituto me explicassem, o por quê de diversas vezes, incluindo 2015, esse sistema ter se mostrado inefetivo, pelo menos na minha visão de leigo. Cito por exemplo o caso do 4º distrito, alagado nesse mesmo caso de 2015 e até mesmo em 2020 numa cheia muito menor, e em diversas outras ocasiões, assim como a água passando por baixo das comportas da Mauá, novamente em 2015, mesmo com o nível do rio tendo estado alguns centimetros abaixo do nível do cais. Imagine então em um caso extremo como 1941, com 1m de água acima do cais exercendo pressão nessas mesmas comportas.

    Pergunta novamente de leigo: como se impede que a água entre pelo escoamento pluvial pelo princípio de vasos conectantes? Não estou nem falando da total ineficácia que essas comportadas já demonstraram, pois não são totalmente vedadas.

    Fontes pra refrescar memórias:
    https://www.sul21.com.br/cidades/2015/10/fotos-guaiba-ultrapassa-armazens-do-cais-e-invade-orla-de-ipanema/
    https://portoimagem.wordpress.com/2015/10/12/prefeitura-fecha-ultima-comporta-do-cais-maua/
    https://portoimagem.wordpress.com/2015/10/17/dep-monta-barricada-junto-a-comporta-do-cais-maua/

    Adicionando, não sou contra ou a favor do muro, apenas questiono sua real eficácia. Acho bobagem reclamar que o muro “tira a visão do Guaíba” quando os próprios armazéns fazem isso. Além disso, mesmo em caso de uma improvável revitalização do cais, a suposta “segregação” que o muro causa entre o centro e o cais, sempre lembro a todos que o próprio Trensurb é um obstáculo que impede o acesso direto em metade da extensão do cais, da rodoviária ao portão geral. Sem falar da Mauá, uma avenida de 4 pistas. Demolir o muro não integraria o cais ao centro, a não ser que a Mauá e o Trensurb fossem subterrâneos, o que, sabemos não aconteceria em mil anos em Porto Alegre.

  5. Muro feio e inútil, nunca foi utilizado desde sua construção.

  6. Muito bom relembrar esses argumentos sensatos e técnicos em defesa do muro!
    A sua construção foi embasada em estudos hidrológicos, com base em probabilidades matemáticas.
    Os imediatistas que dão palpites a favor da supressão ou diminuição dessa proteção, simplesmente porque não houve repetição da enchente de 41, deveriam ter em mente que, repetindo o IPH, “em pouco mais de 100 anos de registros, houve 4 eventos (1928, 1936, 1941 e 1967) em que o muro teria dado proteção efetiva e que, em 2015, o nível d’água ficou apenas 4 cm abaixo da cota do cais do porto. Além disso, nada indica que uma cheia igual ou superior à de 1941 não possa ocorrer outra vez.”.
    Portanto, o que resta fazer é escogitar um bom projeto arquitetônico- paisagístico para camuflar a indispensável realidade do muro da Mauá.

  7. Infelizmente vivemos em uma epoca de negacionismo da ciência, por isso as ideias absurdas de reduçao ou eliminação dessa fundamental estrutura surgem. Que bom ter a opinião tecnica, sucinta e coerente do IPH e do DEP. Vamos ouvir a ciência, e não a interesses políticos

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