
Os circuitos integrados (CI), também conhecidos por chips, são formados por conjuntos de circuitos eletrônicos fabricados em pequenas pastilhas de materiais semicondutores. Desde os primeiros dispositivos comerciais do início dos anos 1960 até hoje a tecnologia evoluiu vertiginosamente, com a contínua diminuição do tamanho dos elementos básicos, possibilitando a existência de uma enorme variedade deles, usados em telefones celulares, equipamentos eletrônicos domésticos, industriais, automóveis, tablets, computadores e tantos outros.
O Brasil tem apenas uma fábrica de chips, a CEITEC, empresa vinculada ao Ministério de CT&I, localizada em Porto Alegre, criada em 2008, no Governo Lula, teve suas instalações concluídas em 2010, iniciando a produção através dos processos menos complexos em 2012. Desde então projetou e produziu CIs de silício comerciais, com certificações internacionais para várias aplicações. Muitos desses projetos se originaram em demandas específicas do Governo, que posteriormente não comprou os produtos, frustrando o retorno de anos de investimentos. Mas mesmo sem as compras governamentais, em 2020, próxima de atingir o superavit nos anos seguintes, a empresa já tinha fabricado mais de 162 milhões de chips (http://www.ceitec-sa.com.br), vendidos inteiramente para o setor privado.
Contudo, apesar do pioneirismo, teve liquidação decretada em 2020, sob a justificativa de ser deficitária. Mas o processo foi sustado em 2022 pelo Tribunal de Contas da União, e agora sobrestado, fundamentalmente por falta de justificativas técnicas robustas e porque foram detectadas irregularidades nos seus procedimentos.
Recentemente, a nova Ministra de CT&I, Luciana Santos, deu entrevistas afirmando que irá revogar a liquidação da empresa e promover sua recuperação, seguindo recomendações da Comissão de Transição, orientada por um estudo da estratégia que o país terá no campo dos semicondutores. Suas declarações foram duramente criticadas por alguns veículos de comunicação, que tem como base argumentos equivocados e limitados sobre desenvolvimento tecnológico nacional e tamanho do chip, numa lógica meramente de montagem e empacotamento, de reprimarização e de extrativismo, do ponto de vista do modelo econômico-industrial.
Uma das críticas é que a tecnologia da fábrica seria antiga e ultrapassada. Mas o fato é que o parque litográfico da empresa tem capacidade comprovada para amplo uso hoje, sendo que a estrutura física do prédio a qualifica para operação com nível de precisão mais refinada ainda. E mesmo com a capacidade atual, alcançaria os mercados que abrangem infraestrutura de comunicações 5G, automação industrial, internet das coisas, setor automotivo, radares, tecnologia militar, saúde e medicina, agronegócio e comunicações ópticas. Cabe observar que em muitas aplicações de ponta são usados chips com tecnologias como a da CEITEC, que são mais robustas a falhas devido a efeitos de radiação.
Outro engano é fazer comparações com as grandes empresas do setor, como Intel, TSMC e Samsung, que fabricam processadores e memórias no estado da arte. O mercado de chips não se resume a estes nichos, e há vários tipos que não necessitam ter dimensões tão reduzidas quanto aquelas. Isso explica a existência de empresas menores que as gigantes, produzindo chips como os da CEITEC para diversas aplicações. Um bom exemplo é a ON Semiconductors (http://www.onsemi.com), que possui fábricas semelhantes a nossa em vários países.
E ao contrário do que dizem os críticos, os investimentos públicos na CEITEC foram muito aquém do que um projeto desta envergadura requer, sejam nos equipamentos de fabricação ou mesmo na formação do corpo técnico, além da chamada curva de maturação necessária que teria que ser cumprida, que foi atropelada pela tentativa de liquidação. Incongruente com o que foram os investimentos e os tempos de retornos destas fábricas nos países do Pacífico do Leste, onde se concentram em torno de 85% da produção mundial. E em contraposição com os enormes subsídios públicos que USA e China projetam para o setor nos tempos atuais, na busca deste tipo de manufatura.
É bom relembrar, que desde que o ensino de pós-graduação foi institucionalizado no país, em 1968, foram formados centenas de milhares de mestres e doutores em todas as áreas de C&T, inclusive na engenharia eletrônica. Isto confere ao país plenas condições de superar o complexo de “vira-lata”, identificado por Nelson Rodrigues, e de forma ousada e consistente, enfrentar desafios que exigem conhecimento e recursos humanos qualificados, para mergulhar definitivamente no seleto grupo mundial de Nações que detêm expertise e dominam a produção de chips.
Autores:
SERGIO M. REZENDE – Professor Emérito de Física – UFPE e ex-Ministro da Ciência e Tecnologia (2005 -2010).
RICARDO REIS – Professor Titular do Instituto de Informática – UFRGS
SÉRGIO BAMPI – Professor Titular do Instituto de Informática – UFRGS
ADÃO VILLAVERDE – Engenheiro e Professor da Escola Politécnica – PUC/RS
Link: https://horadopovo.com.br/producao-de-chips-no-brasil-e-a-superacao-do-complexo-de-vira-lata/
Categorias:Artigos, Ciência e Tecnologia
“Dando lucro”… Desde quando estatal dá lucro? A CEITEC funcionou durante uma década só consumindo dinheiro público. A minha descrença é quanto ao sentido do Estado entrar em seara que, se fosse economicamente viável, a iniciativa privada já estaria explorando com sucesso. Um Estado que nem as suas obrigações básicas consegue atender como deveria.
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Olá Pietro. O Banrisul dá lucro. Os Correios dão lucro. A Eletrobrás dava lucro. O Banco do Brasil dá Lucro. A Sanepar dá lucro.
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Fazer banco dar prejuízo é uma façanha só obtida através de fraude deliberada ou muito uso político.
Os Correios e outras estatais voltaram a dar lucros na gestão de Bolsonaro, porque nas gestões do PT os resultados foram calamitosos, pelas razões por todos sabidas. Lucro em estatal é ponto fora da curva. Pode sempre ser obtido se detém um monopólio, mas com o sacrifício dos consumidores sem opção. Para a sociedade, melhor não tê-las.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/521559/noticia.html?sequence=1&isAllowed=y
https://www.gazetadopovo.com.br/economia/lucros-prejuizos-receitas-despesas-correios-2001-2020/amp/
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A mão de obra chinesa está cada vez mais cara,
logo é de suma estratégia para o Brasil investir muito pesado nesse setor para tomarmos esse lugar antes da Índia.
O governo indiano investiu mais de 57 bilhões de reais no setor, enquanto no Brasil, o maximo que o viralatismo permite falar q nem papagaio é: “o agro é pop”
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Sinceramente não consigo entender os deslikes em seu ótimo comentário.
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Também não entendo.
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eu imagino o perfil,
eles acham que o estado vai tirar esse dinheiro do bolso deles kkkk
Enquanto a China será a maior economia do mundo com os investimentos estratégicos,
aqui o livre mercado resolve, se ele nao resolver paciencia, não há mais nada que possamos fazer.
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Isso não é pra dar lucro.
Por que o setor privado não produz seus chips aqui? Pois fazem estudos de que não é financeiramente viável.
Ficaremos então de braços cruzados?
o papel da CEITEC é justamente criar essas condições e cobrir os prejuízos que a iniciativa privada não está disposta a pagar investindo nesse setor, a partir dela se constroi uma malha industrial e geração de profissionais que as empresas privadas poderão contratar depois.
Isso não é pra dar lucro.
Há uma onda de ignorância com esse “mindset empreendedor” que busca traduzir tudo a realidade tangível do leitor. Como se o investimento em um setor estratégico fosse uma empreitada numa pizzaria que se operar no prejuízo fecha.. Projeto de estado não é assim.
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Mais barato seria oferecer benefícios fiscais e outros para atrair empresas que já detem a tecnologia. Reinventar a roda custa muito caro. A última vez que fizemos isso foi através da Lei da Informática, de 1984, que nos custou uma década de atraso e empresas falidas. E com o tempo o país absorve a tecnologia do que é fabricado aqui, através dos técnicos nacionais que nelas trabalham, como já aconteceu muitas vezes mundo afora.
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A ideia é boa, Pietro, mas os exemplos de outros países mostram que ela só funciona para produtos considerados menos estratégicos – ou seja, aqueles menos tecnológicos, que já se tornaram “commoditizados”, por assim dizer. A China teve muito sucesso nesse aspecto com montadoras de veículos – passou de um país virtualmente sem indústrias desse tipo, na década de 1980, a um exportador de marcas e tecnologias automotivas, graças à bem-sucedida política governamental de forçar joint ventures e fechar o mercado. Mas veja, carros já eram produzidos até no Brasil, “mal e porcamente” desde a década de 1950 (vinte anos antes, até, se considerarmos as empresas que funcionavam localmente no que hoje chamamos de regime CKD). Carros são uma tecnologia relativamente simples e disseminada, e a China tinha a seu favor o peso de seu gigantesco mercado potencial, aliado à mão de obra barata e razoavelmente qualificada, o que era um inegável atrativo para investidores. Mas a mesma China nunca conseguiu fazer isso na área de microeletrônica, aeroespacial, ou militar de ponta – políticas nesse sentido foram infrutíferas. A razão? São tecnologias ultraestratégicas, cujo mercado tende a se concentrar cada vez mais, e a ser suscetível a sanções governamentais das potências que os dominam (vide a atual restrição severa que a China sofre de semicondutores com tecnologia ocidental). A saída da China – ainda deficitária – foi investir em uma estratégia de autonomia de longo prazo, comprando e transferindo tecnologias de legado e investindo maciçamente nas universidades, no sentido da produção de chips cada vez mais complexos. Ainda estamos por ver se vai dar certo, mas isso tirou os chineses da “idade da pedra” digital, a uma condição de apenas poucos anos de atraso em relação às grandes empresas do setor.
Realisticamente, nossa economia, população e prospecto de crescimento não são comparáveis aos da China. Se não deu certo atrair empresas lá, não me parece provável que daria aqui – mesmo que entregássemos terrenos de graça, e oferecêssemos mão de obra gratuita, com isenção fiscal total. Simplesmente não viriam investimentos. A CEITEC, com todas as instalações já prontas e a tecnologia de legado que possui, não foi comprada por “preço de bananas” por ninguém. A saída, infelizmente, é o caminho longo, caro e difícil de investir a fundo perdido. O segredo para não ser um eterno poço sem fundo de dinheiro é termos projetos de longo prazo, paciência (coisas raras no país) e, principalmente, desenvolvermos esse plano conforme nossas possibilidades, mirando em nichos de mercado nos quais haja lucro potencial, ou na própria demanda interna.
A ausência de empresas de pequeno e médio porte no ramo de semicondutores é um péssimo negócio para países em desenvolvimento, e para o mundo inteiro. Isso reduz a confiabilidade dos fluxos de comércio – veja o dano que a pandemia causou, ou que um simples incêndio na Malásia provoca. Nesse exato momento, a produção da Volswagen está paralisada no Brasil pela falta de chips cuja tecnologia já está ao alcance de produção da CEITEC hoje. Será que se eles estivessem disponíveis, a empresa não preferiria comprá-los a paralisar suas fábricas e absorver o prejuízo de 150 mil unidades não produzidas?
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Baita comentário João. Obrigado por colaborar para o entendimento de uma situação bem complicada e complexa.
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Boas colocações sobre o assunto. Se um país investir bilhões com foco em alguma conquista tecnológica, é claro que terá sucesso. A União Soviética, durante anos, investiu para poder equiparar-se aos EUA em tecnologia militar e aeroespacial, até que Gorbachev teve que jogar a toalha quando Reagan anunciou o programa militar Guerra nas Estrelas. Ao fim, a União Soviética colapsou economicamente. O povo passava miséria enquanto o governo concentrava despesas em tecnologia e na área militar. A China fez pousar uma sonda em Marte. O problema no Brasil é semelhante ao clássico dilema da produção de espadas ou arados, e aí se insere a decisão sobre investir mais no CEITEC ou não. Penso que o governo tem inadiáveis problemas sociais para resolver com os limitados recursos de que dispõe, o que compromete a possibilidade de investir em projetos com longo prazo e incerto retorno, como esse do CEITEC.
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Comparação exdrúxula meu caro. As somas não seriam tão exorbitantes como os exemplos citados.
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Exdrúxula é a sua consideração com o dinheiro dos pagadores de impostos. Pois é antigo o provérbio que diz que são as pequenas despesas que arruinam as pessoas. O Brasil, de tanto jogar dinheiro fora, chegou a este estado calamitoso em que nos encontramos. Essa “somas não tão exorbitantes ” a que você se refere são bilhões de reais!
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Uma resposta possível está em seu próprio comentário – ao investir nessa área, não estaríamos tentando nos equiparar a superpotências, como a URSS fracassou em conseguir. Ao invés disso, se tivermos juízo, preencheremos espaços em que o mercado global ainda está pouco atendido. Dando lucro, parte dele pode ser reinvestido, e assim por diante. No fundo, o que você sente é uma descrença em relação às nossas capacidades. É plenamente compreensível (eu sinto o mesmo em outras áreas), mas você realmente acha que não temos know-how (pois tecnologia, já temos) para produzir chips de rastreio de gado ou controladores de air bags sem mendigar a ajuda de uma multinacional?
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Abrilhantou o debate, obrigado.
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