Cultura local, nada de empreendorismo, e de costas à nossos potenciais

Mentalidade e cultura que fazem Porto Alegre ignorar sua orla,  também fazem nosso litoral e lagoas virarem desertos

Semana passada foi postada uma matéria aqui no Blog Porto Imagem mostrando que até cerca de 40 anos atrás a população buscava as águas do Guaiba e havia até mesmo empreendimentos e infraestrutura para tal. A mesma cultura da população faz com que muito portoalegrense nunca tenha ido mais ao sul do que o estádio Beira Rio. A cultura e os costumes locais fazem com que a maioria dos portoalegrenses não tenham nem idéia da orla que a cidade tem, e que lembra paisagens como litoral paulista ou catarinense.   Faz com que, ao contrário de qualquer lugar do mundo,  as pessoas jamais busquem lazer na orla, mas sempre pra dentro dos bairros.

Hoje, o descaso com a orla dispensa comentários. Muito tem-se comentado, também, sobre a atuação dos políticos no que tange a orla, que varia da mediocridade ao radicalismo. Porém, tenho batido na tecla de que os políticos não são os maiores responsáveis pelo desprezo ao Guaiba. Políticos jogam para a torcida. Ou vocês imaginam episódios como o do Pontal em Curitiba, Rio de Jaieiro, Fortaleza?  Não, a maior chance disso ter ocorrido só poderia ser na capital mais do contra do Brasil, na mais nanica, na mais proibidora, na mais esquerdista e contra burguês. Então, da esquerda à direita, claro que os políticos vão querer agradar a esse público.

Tudo isso posto, essa semana tornou-se explícito como as praias gaúchas voltaram a virar desertos. Por um lado compreensível, afinal agora todos os colégios e faculdades iniciaram as aulas.

Fim de semana estive em Tramandaí. Também dei uma volta em Capão da Canoa.  Chama a atenção como Capão tem prédios.  Parece uma cidade média como Santa Maria, São Leopoldo, Canoas. Mas também chama atenção, e até choca, como essa grande cidade vira um deserto a partir de março. Mesma coisa nos grandes condomínios e no mar de casas do litoral. Na importante   Tramandaí também se vê todos seus altos prédios e casas ficarem vazios. Mais: muito comércio fecha.

Sempre quis morar numa cidade que tenha orla. Seja mar, lago, mas que seja uma grade cidade e tenha orla de fato. Eu moraria fácil em alguma capital do litoral, ou cidades como Santos. Estando em Capão, e vendo aquele mar de predios, penso: se isso fosse uma cidade de verdade, consolidada, do tamanho desse mar de prédios, eu até moraria lá.  Poderia ser uma cidade de pelo menos 200 mil habitantes. Poderia ter infra, comércio, lazer. Se não tivesse turismo, poderia ter até mesmo faculdades. Poderia realizar o sonho de haver, senão a capital, mas  uma cidade de verdade no litoral do Rio Grande Sul.

Litoral reto não é desculpa pra nada. Há várias praias retas por aí que são tudo de bom, e além disso facilita bastante o planejamento e crescimento. O frio tembém não é desculpa pra não haver cidades na orla.  Em Santos, Montevideo, Cidade do Cabo e várias cidades grandes e belas do litoral faz frio. E nem por isso deixam de ser grandes, belas, e terem uma orla valorizadíssima.

Se não há grande população, nosso litoral poderia ter, então, turismo. Aí entra novamente a cultura local. Inclusive do empresariado. Ninguem faz nada. Em Atlantida, por exeplo, há algo que adoro, o Parador. Um lugar lindo à beira mar, com infra, bares, atividades, beleza, gente bonita, e muita gente mesmo, naturalmente atraida pelas ótimas opções que há ali. Pois bem: antes do dia 20 de fevereiro, já estava sendo desmanchado e fechado. Gente como eu, que em pleno fevereiro estava na praia, já ficou com mais essa opção a menos.  Fora vários outros comércios, já todos fechados em 20 de fevereiro.

Aqui entra uma idéia: se as famílias foram embora, por causa das aulas, porque não atraem mais gente, turistas? Aposentados, solteiros, namorados, familias com crianças pequenas, argentinos de passagem, portoalegrenses desesperados de calor…   Ou seja, todo o tipo de público que dá um passeio  entre março e dezembro.

“Até”  belezas há.  Tramandaí é um exemplo. É interessantíssima e linda a combinação de lagoa, lá atrás, rio, ponte e mar.  Há um complexo de lagoas no litoral que é um dos maiores e mais belos do mundo. E há a praia, também, que tem uma brisa maravilhosa, e poderia criar atrações, simples que sejam. Não há desculpa.

RicardoH

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Por Moacir Scliar

A sabedoria uruguaia

Punta del Este continua atraindo milhares de brasileiros em busca de atrações que não dependem da natureza

Como balneário, Punta del Este não é o bicho. Tem dois tipos de praia, a Brava, com ondas, a Mansa, sem ondas, mas nenhuma das duas chega aos pés das praias do Nordeste, ou de Santa Catarina ou de algumas do Rio Grande do Sul. No entanto, Punta del Este continua atraindo milhares de brasileiros, inclusive e principalmente gaúchos. São turistas que vão em busca de atrações que não dependem da natureza propriamente dita nem da meteorologia, sempre imprevisível. Punta del Este, dizem os fãs, tem muita coisa para ver e para fazer: lojas, excelentes restaurantes, boa programação cultural em fevereiro há festivais de cinema e de teatro e livrarias dignas de qualquer grande metrópole: dá para voltar de lá com material de leitura para um ano inteiro. E isso não tem a ver só com Punta del Este. Tem a ver com o Uruguai, um país muito pequeno, de população reduzida (3,3 milhões de habitantes, um terço do que tem o RS), mas absolutamente civilizado.
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Nos anos 1960, o Uruguai era conhecido como a Suíça da América Latina: seu padrão de desenvolvimento aproximava-o dos países europeus. Foi dos primeiros países a implantar uma política de previdência social e de assistência aos idosos, que, aliás, formam boa parte da população; tem uma das menores taxas de pobreza do continente e um dos menores índices de analfabetismo. Foi o primeiro país do continente a estabelecer o divórcio (1907), e um dos primeiros do mundo a dar às mulheres o direito do voto. Mas a partir de 1960 a crise instalou-se: diminuíram as exportações, a inflação atingiu a taxa anual de 50%, o nível de vida caiu; o descontentamento resultou em greves generalizadas e o aparecimento de um movimento de guerrilheiros urbanos, os Tupamaros, responsável pelo sequestro de políticos e industriais. Veio o golpe militar (1973) e uma severa repressão: o Uruguai tornou-se o país com, proporcionalmente, o maior número de presos políticos da América. Mas o governo militar não conseguiu resolver a crise econômica, e, em 1984, as eleições trouxeram de volta a democracia.
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Um pequeno detalhe da própria Punta del Este mostra o bom-senso e a inteligência dos uruguaios. Em nossas cidades costumamos usar os nomes de ruas para homenagear pessoas. Isto é uma coisa boa, uma contribuição à cultura (ainda que muita gente não saiba quem foi o Fulano que dá nome a uma avenida ou praça), mas envolve um elemento complicador: às vezes não são nomes simples, e lembrá-los, escrevê-los ou pronunciá-los fica difícil. Uma alternativa temos nas cidades americanas, ou em Brasília, ou em Goiânia: as ruas têm números, não nomes. Fica fácil situá-las (a gente sabe que a Rua 42 está a cinco quadras da Rua 47) e simplifica a vida. Agora, o que temos em Punta del Este? Os dois sistemas, nomes e números. Pode-se usar um ou outro (pelo jeito, o pessoal lá prefere números), o que configura uma solução engenhosa e mostra que o Uruguai é tão pequeno quanto inteligente. Tamanho não é documento, não é mesmo?

Zero Hora, Caderno Donna



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2 respostas

  1. pois eh…..dois pesos e duas medidas.
    La ele nao reclama dos “espigoes”.

  2. Dois ótimos textos para o povo portoalegrense refletir, mas só lembrando que Moacir Scliar era contra o projeto do Pontal, assim como Luis Fernando Veríssimo…

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