O Brasil faz questão de depender dos carros

Outro dia a TV mostrou o sucesso da adoção de bicicletas como meio de transporte diário em Munique, na Alemanha. É uma pena que não dá para importar ideias, principalmente se forem europeias. No Brasil a largura das faixas de rolamento (onde as bicicletas devem rodar quando não houver faixas a elas destinadas) vem sendo reduzida de acordo com o interesse da prefeitura, podendo chegar a menos de 2,5 metros. Enquanto isso, o Código de Trânsito Brasileiro permite que as motos dividam esse espaço simultaneamente com os carros, contrariando Newton.

Então, pra começo de conversa, você tem um espaço de menos de três metros (que é o padrão internacional) dividido entre carros – cuja largura varia entre 1,5 e 2 metros, ônibus e caminhões – cujas larguras variam entre 1,90 e 2,2m, motos – cuja largura média é 70 cm e bikes – que tem largura média semelhante às motos.

Com uma moto na esquerda, uma bike na direita e um buraco à sua frente, o que você faz? É instintivo desviar. Graças à qualidade dos serviços prestados pelas prefeituras brasileiras, é comum encontrar uma “boca-de-lobo” profunda devido à nova camada de asfalto e o ciclista precisará desviar. O motorista precisará desviar do ciclista, mas há uma moto à esquerda. O que vai acontecer?

Eu sou um grande fã dos automóveis – ganho a vida com eles e por eles – mas cresci em cima de uma bike e pedalei muito até o dia em que passei a ter medo. Adoraria poder ir e voltar do trabalho em uma bicicleta, mas é simplesmente inviável porque temos os mesmos anseios que os países desenvolvidos, mas não temos cacife técnico, intelectual e social pra fazer igual.

As cidades são cheias de vias expressas, nesse tipo de via é proibido a circulação de pedestres e veículos não motorizados. Se for permitido, não pode ser via expressa. O erro está em priorizar um transporte em benefício do outro. Ei, eu quero andar de carro com três pessoas dentro. Que mal há nisso? Mas não venha me dizer que reduzir o espaço para carros em favor do corredor de ônibus é correto porque não é. A humanidade desenvolveu o urbanismo pra solucionar esse tipo de conflito. Se as prefeituras não valorizam a técnica, não venham punir os pedestres, os ciclistas, os motoristas ou os passageiros de ônibus.

Não foi o Estado quem falou que podíamos comprar um carro em 72 vezes com IPI reduzido porque a economia estava forte? Todo mundo comprou. Agora o mesmo Estado vem dizer que tem muito carro, que é difícil colocar tudo na rua, que o brasileiro só quer comodismo etc.

Concordo que muita gente não sabe usar o carro. Eu nunca tiro o meu da garagem pra rodar menos de 10 km principalmente porque o motor nem chega a esquentar, o óleo fica frio, compromete a lubrificação e reduz a vida útil do motor. Mas infelizmente a bicicleta não é uma opção. Cansei de voltar pra casa sem selim, porque roubaram. Alguns lugares cobram o estacionamento de bicicletas, caso de shopping centers – o que dificulta ainda mais a adoção delas como meio de transporte diário. Nem toda cidade é plana e jamais vão construir mecanismos auxiliares como nos países nórdicos.

Infelizmente é uma fábula utópica. O Brasil fez questão de depender dos carros e é isso que merecemos. Desde a destruição das ferrovias, a monopolização das linhas rodoviárias pela necessidade de concessão pública e a priorização dos carros e de outras bobagens como a Copa do Mundo de 1950 (que atrasou em 25 anos o metrô de SP). Tudo foi feito do jeito errado.

E a comparação com os países europeus não é válida, porque ninguém considera a construção das cidades europeias, por vezes milenar. Ninguém considera a carga horária de trabalho semanal, a remuneração média do trabalhador, o tamanho da maioria das cidades europeias, a média anual de temperatura. O custo de uma bicicleta no Brasil, é de, no mínimo 1/4 de salário mínimo. Há ainda que considerar as distâncias entre os pontos de interesse nas cidades. Nada disso parece levado em consideração.

A distribuição da cidade pode (e deve) ser controlada pela prefeitura. É ela quem autoriza construção de comércio, condomínios (outra praga das cidades modernas), a localização de serviços essenciais. Como um cara vai pegar sua bike para pedalar 10, 15 km por dia para chegar ao trabalho com um verão de 35 graus de média? Quem pode se dar ao luxo de escolher o trabalho pela distância de casa? O pobre tem que morar longe do centro comercial devido à especulação imobiliária. Pega ônibus por necessidade e acha aquilo uma porcaria porque o serviço é, de fato, muito ruim. Se fosse bom, não sonharia com um carro, que enche a rua, atropela ciclistas…

Matéria de Marco Werner, Notícias Automotivas

Estou postando esta matéria para refletirmos sobre um outro ponto de vista. Ela não reflete necessariamente ao ponto de vista do Blog ou do seu autor.

– Matéria indicada pelo leitor Adriano Silva.



Categorias:Bicicleta, ciclovias, Meios de Transporte / Trânsito

Tags:, ,

16 respostas

  1. Já que é difícil abolir a “carrolatria” no Brasil eu me posiciono favoravelmente ao downsizing, racionalizando o tamanho de alguns veículos em relação à capacidade de carga. Não só reduzindo o tamanho dos veículos em si para reduzir o espaço que ocupam na via, mas reduzindo o tamanho dos motores necessários para mover o veículo com segurança, diminuindo o gasto com combustíveis e, consequentemente, a emissão de poluentes na atmosfera.

    http://cripplerooster.blogspot.com/2010/12/triciclos-uma-alternativa-para-aliviar.html

    http://cripplerooster.blogspot.com/2010/11/triciclos-algumas-vantagens-se-mostram.html

    http://cripplerooster.blogspot.com/2009/12/triciclos-dificil-entender-como-o.html

    http://cripplerooster.blogspot.com/2008/12/expanso-do-mercado-de-triciclos-em.html

  2. Eu pedalava bastante quando era menor de idade e não podia tirar carteira de motorista, mas em alguns percursos eu nunca conseguiria uma velocidade média que me convencesse a deixar de lado o transporte coletivo. Mas eu sou favorável à implantação de uma malha cicloviária devidamente segregada, tanto para evitar acidentes por parte do excesso de confiança de alguns ciclistas quanto exposição de pedestres ao risco de atropelamentos.

    http://cripplerooster.blogspot.com/2011/06/consideracoes-sobre-os-cicloativistas-e.html

  3. Custo e Capacidade aproximados de cada modal:

    Corredor de ônibus: 1 milhão US$/km – 8.000 passageiros/hora/sentido
    VLT: 40 milhões US$/km – 13.000 pass/h/sentido
    BRT: 5 milhões US$/km – 15.000 pass/h/sentido
    Metrô: 100 milhões US$/km – 70.000 pass/h/sentido
    Monotrilho: 60 milhões US$/km

    Ainda…

    Capacidade de 01 faixa para automóveis: 1.350 pass/h/sentido
    Capacidade de uma ciclovia: 4.000 pass/h/sentido
    Deslocamentos a pé: 13.500 pass/h/sentido

  4. As prefeituras não querem ciclistas, já pensou bikes concorrendo com busão???? Os busão ficarão com 10 % menos passageiros, aí prejuizo para prefa.

  5. Basta as pessoas respeitarem o CTB que tudo funciona melhor.
    Ciclista na contramão é um perigo para o pedestre e principalmente para ele mesmo.
    Ciclovia é totalmente separada da via.
    Ciclofaixa não tem uma separação física da via, mas os carros não podem circular sobre ela, tem no mínimo 1,5m.
    Com relação a matéria:
    1) Em caso de conflito, como mostrado na parte moto, carro, ciclista, deve-se seguir a hierarquia colocada no código, os maiores devem cuidar da segurança dos menores;
    2) Mantendo-se a distância de 1,5m e reduzindo a velocidade para ultrapassar um ciclista dificilmente haverá um conflito (art.201 do CTB),
    3) Porto Alegre só tem uma via de trânsito rápido, onde não se pode andar de bicicleta, a Castelo Branco.
    4) O estado é movido primeiro pelos interesses econômicos duvidosos, depois pensa na qualidade de vida geral da população.
    5) Quando Jan Gehl sugeriu mudanças em Copenhagen na década de 50, foi muito criticado, similares às criticas da bicicleta como meio de transporte em nossas cidades, todos sabemos como é a cidade hoje: http://cidadesparapessoas.wordpress.com/about/
    6) Sem dúvida transporte coletivo deve atender a maioria da população, e já atende, mas é de péssima qualidade, muita gente dentro dele sonha com um carro, alguns dentro dos carros sonham com transportes coletivos descentes, outros usam a bicicleta e são felizes( eu sou um destes) mas claro que querem respeito, pois cada bicicleta na rua é um carro a menos ocupando espaço.
    7) Não existe dinheiro suficiente para se investir no o transporte por carro, todos tendo carros, a cidade teria que crescer para cima e para baixo, sem natureza e sem ar respirável. Quem quer viver numa cidade assim?
    8) É muito barato e é muito mais eficiente uma simples estrutura cicloviária e vestiários em empresas ou públicos, só é uma questão de vontade, e podem ter certeza que em pouco tempo 30% dos deslocamentos seriam por bicicletas. Hoje os números são incertos, mas estima-se que em Porto Alegre 7% dos deslocamentos são por bicicleta.

    • Ótimo comentário, só discordo em parte do ítem 7, acho que o investimento deve ser transporte de massa antes de todos, ainda mais em uma cidade tão grande e relativamente violenta.

      Em relação a questão de não haver dinheiro para investimento em transporte automotivo, concordo e acho que isso é o que algumas pessoas não entendem quando acham que é tudo uma questão de “abrir mais uma pista na Ipiranga/Bento/etc”.

      • Felipe X eu também acho que o investimento majoritário deve ser em transporte coletivo, sem dúvida, só que estrutura cicloviária é ridiculamente barata comparada a qualquer coisa, e o retorno é certo.

        Exatamente: abrir pistas, viadutos, etc é só transferir o congestionamento para mais adiante, ou na maioria das vezes quando se termina a obra ela já tá obsoleta, e ai foram bilhões de dinheiro público

      • Este aspecto de valor é importante. O ideal seria abrir as ciclovias já pensando onde serão feitas futuras intervenções para o transporte coletivo, quanddo necessário.

        O problema é que quando escrevo isso me lembro que estou no “Braziu” e baixa o Augusto em mim hehe

  6. A solução para dependência dos carros é CRIAR AS CONDIÇÕES para que mais cidadãos deixem o seu carango na garagem e, principalmente, para que diminuiam o ímpeto em adquiri-lo (sem ter condições de manté-los, na maiorias dos casos). À força e na marra ninguém fará isso, então não adianta reduzir o número de vias ou de vagas para estacionamentos, como alguns pregam, achando que isso diminuiria a dependência dos automóveis e faria com que mais pessoas fossem obrigadas a migrar para outros modais de transporte.

    Desse jeito a mudança não vai acontecer. No Brasil pagamos os automóveis e combustíveis (também o seguro e a manutenção) mais caros do planeta e, mesmo assim, a atração pelo uso dos carros só tem crescido, tanto que, todos os anos, o país bate o recorde na fabricação e na venda de veículos automotores.

    Criar condições pressupõe o aumento significativo de INVESTIMENTOS do Poder Público no serviço de transporte público, principalmente em sistemas modernos, rápidos, confortáveis e menos poluentes (trens, metrôs, VLTs elétricos), sem deixar de investir nos outros modais. No meu modo de ver, existem recursos suficientes para isso, gerados exatamente pela incrível expansão da indústria automobilística e de seus combustíveis nos cofres públicos.

    A solução para a questão de transporte e a circulação urbana (mas também metropolitana e interurbana) está no aumento de opções e na melhoria das alternativas existentes, criando espaço para todos, e não no conflito e no estímulo a disputa por espaço. Enfim, o equilíbrio e a diversidade é a saída, sem fanatismo e exageros.

  7. Hummm acho que as ciclovias tem que ser separadas e sem permissão de trânsito de automóvel. O nível de má educação de ambos lados não permite convívio pacífico.

    • Felipe X, o nível de educação não é tão ruim assim, eu sempre digo que uns 95% dos motoristas são respeitadores, isto quando o ciclista sabe se fazer respeitar, o grande problema é que 5% dos 700 mil carros que andam por PoA são muitos carros. Temos a tendência de salientar sempre o pior.
      Muitos ciclistas andam na contramão, sim, pois eles tem uma noção errada de segurança, é pura ignorância, normalmente são os mas humildes, precisamos educá-los.
      Muitos motoristas não obedecem o art 201, para ultrapassar um ciclista deve manter a distância de 1,5m, sim, também por ignorância, mas estes não são tão humildes assim, tem condições de ter um carro, deveriam conhecer melhor o código de trânsito, pois todos sabemos que o carro também é uma arma se mal utilizado.

    • Concordo contigo, mas no final o que no Brasil não se resolve a um problema de educação ou fiscalização né 😀

      Mas não sei se 95% é uma taxa razoável, eu trabalho a 5mins de casa e vejo dezenas de infrações só nesse caminho: cruzar sinal vermelho, trancar cruzamento, velocidade alta… sem falar em falta de gentileza mesmo (dar passagem, etc).

      • É que 5% de 700mil são 35 mil carros, são muitos! Mas claro que isso é só uma intuição, posso estar totalmente errado neste ponto, nos falta pesquisa estatística séria em todas as áreas.

  8. Tambem ja fui atropelado por ciclista.
    asushusahushusahuahua

    Acho que deveria ter uma faixa de sei la, 1 metro em TODAS as ruas, perto da calçada, os carros poderiam andar sobre essa faixa, mas se tem algum ciclista em frente, seriam obrigados a desviarem, ou reduzirem a velocidade, deixando o ciclista ali…

  9. Eu só fui atropelado uma vez na vida, por um ciclista (sério, andando na contramão).

    • De vez em quando eu escapo de ser atropelado por ciclistas na CALÇADA da Oswaldo Aranha, tanto os guris que entregam água e gás quanto outros que usam a bicicleta em deslocamentos para outros fins.

Faça seu comentário aqui: